Na contramão do Brasil, Câmara aprova PL 490

Na contramão do Brasil, Câmara aprova PL 490

Por 283 votos a favor e 155 contra, a proposta de demarcação exclusivamente de terras indígenas já ocupadas até a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988 é aprovada na Câmara. Aprovação desconsidera posicionamento da maioria dos brasileiros e, principalmente, das etnias indígenas e organizações ambientais.

Por Arthur Wentz e Silva/Revista Xapuri

Votação aprovada com urgência na última quarta-feira (24), o texto-base do Projeto de Lei 490 foi discutido e votado nesta terça-feira (30). Em menos de uma semana, sua aprovação se deu em meio a tensão na Câmara. Inicialmente, é necessário compreender que o PL serve como arcabouço para o chamado Marco Temporal, tese que será discutida pelo STF no dia 07/06. A tese do marco temporal compreende a demarcação de terras indígenas apenas com a comprovação de ocupação na data de promulgação da Constituição de 1988.

Primordialmente é inegável que a discussão sobre o marco temporal e as narrativas empregadas no Projeto de Lei, logo se tornaram mecanismo de insatisfação popular. Junto as comunidades indígenas de todo o país, a mobilização que vai de encontro com a discordância total do princípio foi capaz de expressar ao congresso a opinião contrária de boa parte de brasileiros e brasileiras, acerca de sua aprovação.

O PL 490

Protocolado em 2007, pelo então deputado federal Homero Pereira (PR-MT), a proposta central visa alterar o Estatuto do Índio (Lei n. 6.001). Tal Estatuto remete-se ao documento promulgado em 19 de dezembro de 1973 e visa proteger e preservar as etnias indígenas do Brasil. 

Foto: Jennifer Marques/@jenniwasadiver

Para o entendimento da Constituição a demarcação de terras é realizada pela União, mediante a processos de responsabilidade da Funai e serviços administrativamente competentes para sua atuação, com a antropologia de alicerce processual. Nesse sentido, não se faz necessária a aplicação temporal de usualidade da terra. Essa “não-necessidade” é explicada, pois os povos indígenas já habitavam o território muito antes da invasão colonial. 

O PL altera, dentro do Estatuto do Índio, exatamente nas regras de demarcação. Cria-se, dessa forma, um marco temporal necessário para a demarcação indígena. Em outras palavras, será necessário comprovar a ocupação do território indígena até o dia 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Caso aprovada na finalização do trâmite legislativo, pedidos que não tiverem comprovação serão negados e aprovação caberá ao Legislativo. Para além, a ampliação de reservas indígenas já existentes fica proibida.

Ato em Brasília

Convocado pela Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o ato reuniu centenas de delegações, organizações, partidos e coletivos em prol da conjuntura, no Museu Nacional, às 14h. 

A maioria das falas de lideranças indígenas iam no mesmo sentido: unidade. A busca por unidade para barrar o retrocesso aos direitos duramente conquistados se fez consolidado por parte das bancadas e coletivos presentes. Entretanto, a angústia também se fazia real dentro das diferentes realidades ali presentes. A liderança Imboré, Uyara destacou que a tentativa dos ruralistas é de justamente desunir as diferentes etnias em prol da construção de políticas públicas efetivas e direitos. “O futuro de nossas terras está em jogo. Nosso futuro depende disso”, enfatizou. 

Indígenas Imboré (Uyara na esquerda). Foto: Jennifer Marques/@jenniwasadiver

Conforme liderança da etnia Parakanã, Wenatoa Parakanã resumiu o dia em tenso e difícil. Apesar do território homologado, denunciou constantes perseguições e invasões de garimpeiros. Ressaltou ainda: “Não estamos aqui atoa! Vamos unir nossas forças. Somos os primeiros habitantes do Brasil, precisamos que parem de destruir nossas terras.”

Em suma, o ato contou ainda com a participação de coletivos fundamentais, como a Associação dos Acadêmicos Indígenas da Universidade de Brasília (AAIUnB). Os estudantes indígenas destacaram a ancestralidade da luta e a importância de sua continuidade. Elgenia Tikuna, estudante de Engenharia Florestal, na Universidade de Brasília destacou: “Não é somente lutar pela nossa causa, a gente luta por outros jovens indígenas que não puderam estar aqui hoje. Por eles, estamos aqui hoje.”

Foto: Jennifer Marques/@jenniwasdiver

Consulta Popular

Em consulta aos diferentes setores da sociedade, a enquete sobre o PL revelou que a grande maioria dos brasileiros discorda totalmente da proposta apresentada. Dados apresentam que cerca de 88% discordam totalmente, enquanto que apenas 11% concordam. A metodologia empregada pela consulta foi utilizando plataforma da própria Câmara dos Deputados e teve sua parcial afixada desde o dia 06/04/2018. 

Foto: Jennifer Marques/@jenniwasdiver

Dentre os diferentes comentários presentes na consulta, os que se destacam chamam a atenção para a reflexão dos setores acerca dos riscos do projeto. Para Bruno Pacheco: “(…) Submeter a demarcação de terras indígenas ao Congresso Nacional é submeter a demarcação das terras a Congressistas financiados pelo Agronegócio. A exploração econômica de terras indígenas é ilegítima e se trata, na verdade, de uma justificativa para que essas terras demarcadas sejam exploradas e usadas livremente como se fossem bens privados, e não um direito de povos originários.”

As diferentes opiniões consultadas apresentam, em sua maioria, uma resistência a aprovação do PL justamente por se apresentarem como um risco severo aos povos originários do Brasil, que imediatamente afeta toda a vida dos brasileiros. Isso se dá, porque os povos originários estão instintivamente ligados à preservação de matas, florestas e principalmente com a manutenção de um equilíbrio climático.

Votação na Câmara

Apesar dos atos em Brasília e no país inteiro e da consulta disponível desde 2018, boa parte dos deputados votaram em prol do que os ativistas mencionam como parlamentarismo abusivo e genocídio autorizado. A votação teve impactos negativos para a preservação dos povos indígenas do Brasil, assim como na imagem do país para o mundo, tendo em vista a grande quantidade de retrocessos pavimentados com essa decisão.

Justamente por entender o projeto como uma fissura real na constitucionalidade e na defesa dos povos originários e da defesa ambiental do país, partidos como PT, PCdoB, PV, Psol e Rede se organizaram para fazer o impedimento da narrativa ruralista. Juliana Cardoso (PT – SP), um dos nomes emblemáticos na oposição árdua ao projeto, mencionou: “Não estamos tratando apenas dos direitos dos povos indígenas, mas do meio ambiente e da vida na Terra”. Em sua fala, a deputada mencionou ainda outras diferentes problemáticas, como a liberação da construção de rodovias, hidrelétricas e outras obras em territórios indígenas. 

Deputada Juliana Cardoso discursa. Foto: Agência Câmara de Notícias

Em contrapartida, mesmo diante das grandes problemáticas envolvendo a aprovação do texto-base e as opiniões, em maioria, contrárias, o PL foi aprovado com 283 votos a favor e 155 votos contra, seguindo em tramitação para o Senado.

A luta continua!

Como dizia Marighella: “A única luta que se perde é aquela que se abandona“. Assim, é preciso seguir forte em defesa dos povos originários e na garantia plena de um meio ambiente ecologicamente tratado e protegido. Entender os processos que levaram ao êxito dos ruralistas na Câmara hoje, faz necessária a intensificação da luta dentro dos ambientes e a construção de estratégias políticas que garantam pressão para a vitória no Senado.

Ontem representou um dia de inúmeras derrotas aos brasileiros. Quando as etnias indígenas são institucionalmente violentadas por um crime parlamentarizado, consequentemente todo o conjunto de habitantes do Brasil sofre com as rebarbas do fascismo, ainda presente no Congresso Nacional. Apesar de eleito um governo progressista no alto cargo do executivo, o legislativo federal fragiliza constantemente a promoção de direitos humanos, devido ao seu alto teor conservador.

Em nota, a Associação dos Povos Indigenas do Brasil (APIB) destaca que “a defesa da Constituição Federal será feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que precisa julgar sobre a tese do Marco Temporal, no dia 7 de junho.” Reforçam ainda que estão preparados para continuar lutando e não permitir que nenhum retrocesso venha a se fazer realidade.

Arthur Wentz e Silva: Estagiário da Revista Xapuri            Capa: Jennifer Marques/@jenniwasadiver


Block

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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