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O amigo inglês de Chico Mendes

O amigo inglês de

Por Elson Martins 

A antropóloga Mary Allegretti publicou em seu blog (…), em 2008, depoimentos de pessoas que conviveram com Chico Mendes a partir dos anos 70. Um deles é do inglês Adrian Cowell que filmou “A Década da Destruição” em Rondônia, em seguida produziu o ótimo documentário I want to live (Quero Viver!) sobre o líder seringueiro acreano. Juntamente com Vicente Rios (câmera) e Stella Penido (pesquisadora), Adrian recebeu em Brasília, em 2007, o Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente na categoria e Cultura. No ano seguinte os três participaram em Rio Branco e Xapuri, da programação dos 20 anos da morte do líder seringueiro (15 a 22 de dezembro). Na ocasião, Cowell fez doação de rico filmográfico ao Comitê Chico Mendes e à Biblioteca da Marina Silva.  

Depoimento de ADRIAN COWELL:

Comecei a me interessar pelos seringueiros, após receber uma ligação da UNEP (United Nations Environment Program) em 1980. Estávamos filmando o processo de desenvolvimento e desmatamento no sul de Rondônia, quando Robert Lamb, assessor do então Diretor da UNEP, Mostafá Tolba, ligou perguntando se a UNEP deveria comprar pedaços da Amazônia para preservar as espécies em extinção.

“É a pior coisa que vocês poderiam fazer”, respondi: “Este tipo de proposta sempre desencadeia uma nos jornais brasileiros sobre a internacionalização da Amazônia. E os militares sempre estão preocupados com este tipo de crise. Agora, o governo no Brasil é uma ”.

– Tudo bem! Concordo – ele falou, mas se não podemos comprar, que podemos fazer para ajudar a salvar a floresta amazônica? Achei sua questão razoável.

– Não sei – respondi. Mas quando encontrar alguma coisa, eu aviso.

Foi assim que uma questão adicional entrou na cabeça de um jornalista trabalhando nos atoleiros e na lama de Rondônia.

Nos cinco anos seguintes filmamos o processo da devastação que já estava mostrando claramente suas péssimas consequências. Colonos que estávamos filmando estavam abandonando suas terras inférteis em desespero. E, como todo mundo sabe, no final da década, 60% das áreas desmatadas haviam sido abandonadas em Rondônia.

Durante esta época, filmamos várias estradas passando dentro de antigos seringais onde cada seringueiro tinha, em média, uma colocação de 300 hectares. Em geral, os funcionários do Incra eram favoráveis aos trabalhadores agrícolas pobres, mas somente estavam autorizados a dar 50 hectares, ou menos, para cada colono. Então, muitos seringueiros ganharam 50 hectares, uma área que não dava para sobreviver com o extrativismo.

A maioria não tinha alternativa a não ser vender seus lotes e eles acabaram nas favelas das cidades. Isto aconteceu não somente pela impossibilidade legal de dar mais que 50 hectares para os seringueiros mas, genuinamente, ninguém que nós encontramos no Incra tinha alguma concepção de qualquer utilidade para a floresta fora da agricultura.

Então, quando ouvimos falar, em 1985, que os seringueiros estavam organizando seu primeiro encontro nacional, resolvemos ir. Se me lembro bem, estávamos filmando na cabeceira do traçado da BR 429, com um trator cortando a floresta virgem em direção aos seringais do rio São Miguel, em Costa Marques.

Vicente Rios e eu dirigimos nosso jipe por dois dias e duas noites para chegar em na conferência. Encontramos em Brasília a organizadora da conferência, Mary Allegretti e, felizmente, ela nos convidou a filmar o encontro. E logo pensei que já existia uma das condições para uma solução do problema da UNEP – um grupo organizado de brasileiros que tinha direitos constitucionais e alguma força local na nova democracia do Brasil.

Depois, quando ouvimos na conferência sobre a proposta para as Reservas Extrativistas – parecidas com as Reservas Indígenas, onde as colocações não podiam ser vendidas, mas somente utilizadas – vimos que os seringueiros tinham a segunda condição para uma solução.

Eles tinham uma concepção alternativa de como utilizar a floresta amazônica. E quando Mary Allegretti nos
apresentou Chico Mendes, o sindicalista que estava liderando a defesa dos seringais no Acre, ficamos sabendo da existência da terceira condição de uma solução – um líder.

Pedimos permissão ao Chico para filmar o dele e avisei à UNEP que quando o filme estivesse pronto mandaríamos uma cópia para eles. Quando este filme chegou na UNEP, claramente apresentou uma ideia bem melhor do que estrangeiros comprando pedaços da floresta amazônica.

Primeiro, a ideia não veio dos estrangeiros, mas de brasileiros, e melhor ainda, brasileiros que viviam dentro da floresta amazônica. Segundo, a defesa da floresta era baseada nos direitos dos posseiros assegurados na
Constituição brasileira.

Finalmente, numa época em que as reservas e florestas nacionais pareciam como vácuos sugando invasores de todos os lados, os seringueiros defendiam suas reservas efetivamente e de graça. Quando preenchi o formulário para Chico ganhar o maior prêmio do Meio Ambiente, o Global 500 da ONU, fiquei surpreso ao ver como o seu caso era óbvio e fácil de justificar.

Chico recebeu o prêmio em Birmingham, na Inglaterra, das mãos de Mostafá Tolba, o Diretor da UNEP. Foi a Central Television que bancou nossa série A DÉCADA DA DESTRUIÇÃO e a pequena cerimônia aconteceu no estúdio deles. E
logo depois escrevi uma outra indicação do Chico para o prêmio da Better World Society nos Estados Unidos. Estes dois prêmios deram para mim e outros a oportunidade de apresentar Chico aos muitos repórteres que quisessem entrevistá-lo.

Pensei que esta publicidade e o relacionamento internacional podiam ajudar a protegê-lo. O risco de um assassinato sempre foi uma preocupação de todos em volta do Chico, como Mary Allegretti, Gomercindo Rodrigues, Raimundo de Barros, Júlio Barbosa, Steve Schwartzman, e, também, nossa.

E, de fato, quando Darcy Alves se entregou depois que ele assassinou o Chico, falou que ficou completamente chocado com a enorme pressão da Polícia Federal que foi mandada em grande quantidade pelo Presidente para diminuir o protesto internacional contra este crime. Na área do meio ambiente, matar alguém que recebeu o Global 500 era igual a matar um ganhador do prêmio Nobel, mas, infelizmente a família Alves não percebeu isto antes do crime.

Darcy disse que se entregou para salvar sua família. Vamos relembrar agora em dezembro (2008) o vigésimo aniversário do assassinato do Chico. E apesar da grande tragédia para sua família e amigos, vamos comemorar também o sucesso enorme da idéia incorporada ao seu legado – a Reserva .

Agora já existem 80 funcionando e mais 100 sendo pleiteadas. Elas são um sucesso, legalmente, constitucionalmente e politicamente, mas, infelizmente, até agora não economicamente. Muitos dos filhos dos seringueiros estão saindo para as cidades para pegar trabalho com salários bem melhores. As reservas estão, devagar, se esvaziando.

Texto gentilmente cedido pelo jornalista Elson Martins, membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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