O fim da paz entre os povos indígenas do Rio Negro
Álvaro Tukano conta, com realismo, de que forma se deu a colonização e instalou-se o fim da paz entre os povos indígenas do Rio Negro
Para a infelicidade dos nossos povos indígenas do Rio Negro, certo dia – 22 de abril de 1500 (e no começo de 1630 no Rio Negro) –, retornou em nosso meio um dos descendentes do Pekasi (homem branco). A palavra Pekasi significa: homem de fogo. “Homem de Fogo?”, perguntaria alguém para mim. “Sim, Homem do Fogo mesmo,” eu responderia.
A história do homem do fogo começou na cachoeira Tõpa Duri, hoje Ipanoré. Foi dito que este era simples maquinista da Canoa da Transformação. Usou a inteligência para fazer a pólvora, espingarda, canhão, balas e espadas.
Esse foi o homem guerreiro, o sujeito ambicioso que matava o outro e tomava tudo o que encontrava pela frente, quando chegava num território alheio. Não sabemos depois de quanto tempo o descendente do primeiro marujo/maquinista retornou à nossa região. A nossa história recente é a mais dolorosa de todos os tempos, porque os povos indígenas foram mortos.
A palavra “homem branco” tem muitos sentidos para os nossos povos. É a pessoa que tem a pele branca; que não é índio; que não come pimenta e que não gosta de tomar banho todos os dias. É o homem que tem dinheiro e empregados e que só pensa em ganhar dinheiro fácil.
Pode ser padre ou pastor que vem de longe para catequizar os índios e para atrapalhar a vida do povo que vive no meio da floresta. É o ser mais complicado e pretensioso, não dá para confiar nele. É assim que falam os líderes que foram enganados.
Os portugueses e os espanhóis invadiram os nossos territórios de grandes rios e de florestas por volta de 1650. Eles cometeram crimes bárbaros contra os nossos antepassados. Dividiram os nossos líderes, parentes e irmãos, invadiram os nossos territórios e mataram os nossos chefes. Usaram a inteligência de certos indígenas para tomar as nossas terras, estupraram as nossas jovens indefesas, mataram homens e jovens, roubaram os nossos filhos para vender no mercado negro dos traficantes de escravos.
Toda a colonização nas Américas foi a mais sangrenta na história da Humanidade. Hoje, alguns brancos – padres e freiras – costumam dizer que deixaram os lugares mais adiantados do mundo para vir aqui cuidar de índios, evangelizar e alfabetizar os índios. Eles dizem assim: “Viemos de longe… viemos transformar vocês em gente civilizada”.
Isso na prática demonstra puro racismo, suposição de superioridade, imposição do cristianismo para acabar com as nossas cerimônias religiosas e nossas línguas, que são mais antigas do que o cristianismo.
Temos que prestar muita atenção para não cair nessa armadilha colonialista, que pretende se perpetuar no meio dos povos indígenas.
Álvaro Tukano – Escritor indígena, em “O mundo Tukano antes dos brancos”. Ayó – Instituto de Ciências e Saberes para o Desenvolvimento. 2017.