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"O roubo do fogo", um mito Guarani

O ROUBO DO FOGO”: UM MITO GUARANI

O “roubo do fogo”: um mito Guarani 

Em tempos antigos, os Guarani não sabiam acender fogo. Na verdade,  eles sabiam que existia o fogo, mas comiam alimentos crus, pois o fogo estava em poder dos urubus

Registro de Daniel Munduruku
 
O fogo estava com essas aves porque foram elas que primeiro descobriram um jeito de se apossar das brasas da grande fogueira do sol.
 
Numa ocasião, quando o sol estava bem fraquinho e o dia não estava muito claro, os urubus foram até lá e retiraram algumas brasas as quais tomavam conta com muito cuidado e zelo.
 
Era por isso que somente estas aves comiam seu alimento assado ou cozido e nenhum outro da floresta tinha este privilégio.  
 
É claro que todos os urubus tomavam conta das brasas como se fosse um tesouro precioso e não permitiam que ninguém delas se aproximasse.
 
Os homens e os outros animais viviam irritados com isso. Todos queriam roubar o fogo dos urubus, mas ninguém se atrevia a desafiá-los.   
 
Um dia, o grande herói Apopocúva retornou de uma longa viagem que fizera. Seu nome era Nhanderequeí, Guerreiro respeitado por todo o povo, decidiu que iria roubar o fogo dos urubus.
 
Ele reuniu todos os animais, aves e homens da floresta e contou o plano que tinha para enfrentar os temidos urubus, guardiões do fogo.
 
Até mesmo o pequeno curucu, que fora convidado, compareceu dizendo que também tinha muito interesse no fogo.   
 
Todos já reunidos, Nhanderequeí expôs seu plano:   
 
– Todos vocês sabem que os urubus usam fogo para cozinhar. Eles não sabem comer alimento cru. Por isso vou me fingir de morto bem debaixo do ninho deles.
 
Todos vocês devem ficar escondidos e quando eu der uma ordem, avancem para cima deles e os espantem daqui. Dessa forma, poderemos pegar o fogo para nós.
 
Todos concordaram e procuraram um lugar para se esconder. Não sabiam por quanto tempo iriam esperar. Nhanderequeí deitou-se. Permaneceu imóvel por um dia inteiro.   
 
Os urubus, lá do alto, observaram com desconfiança. Será que aquele homem estava morto mesmo ou estava apenas querendo enganá-los? Por via das dúvidas preferiram aguardar mais um pouco.   
 
O herói permaneceu o segundo dia do mesmo jeito. Sequer respirava direito para não criar desconfianças nos urubus que continuavam rodeado seu corpo.
 
Foi no fim do terceiro dia, no entanto, que as aves baixaram as guardas. Ficavam imaginando que não era possível uma pessoa fingir-se de morta por tanto tempo. Ficavam confabulando entre si:
 
Olhem, meus parentes urubus – dizia o chefe urubu – nenhum homem pode fingir-se de morto assim. Já decidi: vamos comê-lo. Podem trazer as brasas para fazermos a fogueira.   
 
Um grande alarido se ouviu. Os urubus aprovaram a decisão de seu chefe, e por isso imediatamente partiram para buscar as brasas. Trouxeram e acenderam uma fogueira bonita e vistosa.
 
O chefe dos urubus ordenou, então, que trouxessem a comida para ser assada. Um verdadeiro batalhão foi até a presa e a trouxe em seus bicos e garras.
 
Eles acharam o corpo do herói um pouco pesado, mas isso consideraram bom, assim daria para todos os urubus.   
 
Eles colocaram Nhanderequeí sobre o fogo, mas graças a uma resina que ele passou pelo corpo, o fogo não o queimava. Num certo momento, o herói se levantou do meio das brasas dando um grande susto nos urubus, que atônitos, voaram todos.
 
Nhanderequeí aproveitou-se da surpresa e gritou a todos os amigos que estavam escondidos para que atacassem os urubus e salvassem alguma daquelas brasas ardentes.
 
Os urubus, vendo que se tratava de uma armadilha, se esforçaram o máximo que puderam para apagar as brasas, engoli-las e não permitirem que aqueles seres tomassem posse delas.
 
Foi uma correria geral. Acontece, no entanto, que na pressa de salvar o fogo, quase todas as brasas se apagaram por terem sido pisoteadas.   
 
Quando tudo se acalmou, Nhanderequeí chamou a todos e perguntou quantas brasas haviam conseguido. Uns olhavam para os outros na tentativa de saber quem havia salvo alguma brasinha, mas qual foi a tristeza geral ao se depararem com a realidade: ninguém havia salvado uma pedrinha sequer.   
 
Só temos carvão e cinzas – disse alguém no meio da multidão.  – E para que nos há de servir isso? – falou Nhanderequeí. – Nossa batalha contra os urubus de nada valeu!  Acontece que, por trás de todos, saiu o pequeno curucu, dizendo:   
 
Durante a luta os urubus se preocuparam apenas com os animais grandes e não notaram que eu peguei uma brasinha e coloquei na minha boca. Espero que ainda esteja acesa. Mas pode ser que…   
 
Depressa. Pare de falar, meu caro curucu. Não podemos perder tempo. Dê-me esta brasa imediatamente – disse Nhanderequeí, tomando a brasa em suas mãos e assoprando levemente.   
 
Todos os animais ficaram atentos às ações do herói que tratava com muito cuidado aquele pequeno luzeiro. Pegou-o na mão e colocou um pouquinho de palha e assoprou novamente. Com isso ele conseguiu um pequeno riozinho de fumaça.
 
Isso foi o bastante para incomodar os animais, que logo disseram:  Se o fogo sempre faz fumaça, não será bom para nós. Nós não suportamos fumaça.
 
Dizendo isso, os bichos foram embora, deixando o fogo com os homens e com as aves.   
 
Nhanderequeí soprou de novo. Ele fazia com todo cuidado, com todo jeito. Logo em seguida à fumaça, aconteceu um cheiro de queimado. Isso foi o bastante para que as aves se incomodassem e dissessem:   
 
Nós não gostamos desse cheiro que sai do fogo. Isso não é bom para as aves. Fiquem vocês com este fogo.
 
Dizendo isso, Nhanderequeí soprou ainda mais forte e, finalmente, as chamas apareceram no meio da palha e do carvão que sustentaram o fogo aceso para sempre.
 
Percebendo que tudo estava sob controle, o herói ordenou que seus parentes encontrassem madeiras canelinha, criciúma, cacho-de-coqueiro e cipó-de-sapo e as usassem sempre toda vez que quisessem acender e conservar o fogo.
 
Além disso, o corajoso herói ensinou os Apopocúva a fazer um pilãozinho onde guardar as brasas e assim conservar o fogo para sempre.  
 
Dizem os mais velhos desse povo que até os dias de hoje os Apopocúva guardam o pilãozinho e aquelas madeiras.
 
Munduruku, Daniel. Contos Indígenas Brasileiros/ Daniel Munduruku; ilustrações Rogério Borges. – 2. ed. – São Paulo: Global, 2005. Fonte: eraumavez
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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