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Sari, você precisa pagar pelo que fez

Sari, você precisa pagar pelo que fez

“Não foi acidente. E você vai ter que pagar por isso.”

Sari,
Você precisa pagar pelo que fez.
Sabe por quê?
Porque o policial que matou George Floyd também precisa ser punido.
Assim como os policiais que mataram João também precisam ser punidos.
A preta importa.
Se você não for punida; se os policiais que mataram George Floyd e João Pedro não forem punidos, a gente banaliza a morte.
A gente ratifica o encranhado nessa herança maldita da escravidão que tivemos.
Aliás, Sari; você e seu marido já deveriam ser punidos antes mesmo da morte do garotinho que você abandonou no elevador:
Vocês mantiveram a empregada doméstica de vocês trabalhando mesmo ela infectada com ! Não importa se ela queria ou não trabalhar porque precisava do dinheiro!
Ela tinha que ficar em casa, de quarentena, descansando. Como seu marido está fazendo.
Mas sua só piora, Sari!
Vocês deveriam ser punidos também antes da morte do menininho porque vocês são corruptos!!!
A mãe do menino, a serviçal que levava seu pequeno Pet para mijar no parquinho da rua, estava registrada como funcionária da prefeitura! Que vergonha, Sari.
Roubando dinheiro público para ter uma escrava em casa??
Olha, Sari…
Eu conheço muitas pessoas como você.
Eu cresci no meio de vocês.
Eu conheço seus olhos claros, seu ambiente festivo e suas supostas boas intenções.
Eu estudei nos Maristas de salvador. Sei tudo e mais um pouco sobre a hipocrisia da elite.
Você deve estar agora dizendo:
“Eu sou uma pessoa boa. Nunca fiz mal a ninguém. Eu faço doações no Mac dia Feliz! Eu sou cristã! Meu Deus, me ajude”!
Eu sei, Sari.
Você está desesperada.
Você não queria que o menininho morresse.
Mas, Sari.
Sabe o que você não consegue enxergar?
Que você jamais deixaria o seu filho sozinho num elevador.
Não deixaria seu sozinho!
Não deixaria seu sobrinho ou o filho do seu vizinho branco sozinho no elevador.
Deixou o Miguel sozinho porque ele era o filho da empregada, preto e pobre.
Por isso você fez o que fez.
A culpa da morte do Miguel é sua e de toda uma percepção tosca de social e privilégios que nós brancos, temos.
Você nunca, jamais, entendeu a solidão de Miguel naquele elevador.
Nunca entendeu a solidão dele sozinho em casa enquanto a mãe dele trabalhava em sua casa, cuidando de seus filhos e cachorro.
Falta na elite branca brasileira o DNA da empatia.
E você vai ter que pagar por isso.
Tem que pagar para servir de exemplo e ensinar as pessoas a entender que vidas de pessoas com menos oportunidades que você importam. A entender que vidas pretas são vidas, iguais as nossas, só que com mais dor e dificuldade.
Assim como a morte de George Floyd provocou uma comoção no , a morte do pequeno Miguel provocou uma comoção no .
Quem disse pra você que seu Deus não é o mesmo pai para todos?
Tem uma médica aqui da Bahia que matou dois irmãos numa moto por causa de uma briga de trânsito. Ela ainda está solta.
Ela acabou com a vida dos meninos, dela e da família de todos.
Porque ela é branca que nem você.
Tá na hora de gente branca pagar também.
Eu sei que você está nervosa e que seu marido, prefeito corrupto de Tamandaré, com covid-19, está agora, ao invés de repousando, tentando te livrar da sua punição devida.
Não foi acidente.
Você e seu marido estão sem conseguir respirar direito, né?
George Floyd também não conseguiu, com o joelho do racismo espremendo sua garganta contra o asfalto até ele morrer.
Te vejo nas capas das páginas policiais, Sari.
Créditos: 
#justiçaporMiguel..???
Sãozinha Andrade. Texto extraído na íntegra e sem correções da página no Facebook de Paulinha Batista Araujo. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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