Tuíre Kaiapó, Guardiã da Floresta
“Sou apenas uma mulher, uma guerreira, uma combatente, mas eles precisam me respeitar. Esta é a minha natureza, esta é a minha terra.”
Por Pinar Yolacan e tradução por Thomas Robinson
Escondidas entre a densa floresta amazônica estão as habitações simples feitas de folhas de palmeiras dos caiapós. Seus vilarejos se espalham ao longo do Rio Xingu, alguns tão remotos que até os anos 50 os caiapós viviam quase sem contato com o mundo exterior.
Nas últimas três décadas, as comunidades caiapós se tornaram cada vez mais expostas ao mundo exterior, trazendo grandes mudanças na estrutura social da tribo. Uma das mudanças mais recentes e inesperadas tem sido o surgimento de chefes mulheres, que agora estão no comando de vilarejos espalhados por um grande pedaço da floresta amazônica.
Tuíre Kayapó é a chefe do vilarejo Kapran-Krere. Em maio último, o fotógrafo Pinar Yolacan a visitou lá. Com ajuda de um tradutor, Tuíre disse a Yolacan: “Sou a terceira geração de liderança; meu tio e o pai dele eram líderes da nossa comunidade. Quando meu tio morreu e não havia ninguém para tomar o lugar dele, decidi lutar pela posição. Mesmo sendo mulher, eu já estava estudando com meu tio e fui treinada por ele.”
Houve alguma resistência da comunidade a ter uma mulher como líder? “Não. Minha comunidade me respeita.” Chefes como Tuíre estão à frente de protestos contra desmatamento e mineração ilegais, e já se provaram líderes valiosas e porta-vozes apaixonadas e corajosas.
Também em maio, o New York Times publicou uma reportagem perturbadora sobre o aumento da violência contra tribos indígenas na Amazônia, depois da manchete sobre um ataque de madeireiros contra um grupo de aldeões que feriu 22 pessoas na região norte.
Bephnhoti — cujo “nome branco” é Amaury — é o porta-voz da Floresta Protegida, uma ONG indígena que representa 17 comunidades caiapós. Ao falar com a VICE, do quartel-general da FP em Tucumã, Bephnhoti explicou: “No passado todos os chefes eram homens; os homens dominavam os vilarejos, as comunidades. Mas hoje, como nas cidades, os papéis das mulheres estão se aproximando dos dos homens”.
Agora são três chefes mulheres no total, incluindo Ngreikamoro no vilarejo de Aukre. Bephnhoti está claramente impressionado com ela. “No dia em que se tornou chefe, ela fez um discurso dizendo que iria se comprometer com o diálogo com outros vilarejos caiapós, para evitar as pequenas brigas internas que estamos sempre tendo.
Ela quer que todo mundo viva bem e se dê bem com os outros”, lembra ele. “Ela quer garantir que todos os vilarejos estejam unidos para lugar contra as ameaças exteriores.”
União não é algo fácil de conseguir. O modo de vida remoto dos caiapós — além do fato de que muitos vilarejos só são acessíveis com ajuda de avião e habitados por pessoas que não falam português ou sequer têm conhecimento do “homem branco” — significa que é muito difícil atrair atenção para suas questões e a batalha atual contra desmatamento e mineração ilegais que invadem a fronteira de quatro mil quilômetros de suas terras.
O trabalho da FP é apoiar a comunicação entre os chefes dos vilarejos e o mundo exterior, ajudar com a administração, fomentar o desenvolvimento sustentável e o financiamento para que os vilarejos estejam melhor equipados para se defender.
Monitoramento e controle territorial é outra preocupação, disse Bephnhoti. “Recebi uma mensagem de um dos chefes de que um fazendeiro vizinho está espalhando veneno nos limites das terras caiapós, para matar a floresta e ter mais pasto para seu gado”.
Mineração e formação de pastos ilegais são lugar-comum há décadas, mas há novas ameaças perturbadoras para comunidades como as chefiadas por Tuire e Ngreikamoro — dessa vez ameaças sancionadas pelo governo.
Com similaridades marcantes com o caso da Reserva Sioux Standing Rock nos EUA, o governo está sendo pressionado por grandes corporações e proprietários de terra que querem um pedaço lucrativo da Amazônia. Tramita no Legislativo um projeto de emenda constitucional (PEC) que transfere ao Congresso a decisão final sobre a demarcação de terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação no Brasil.
Atualmente, somente o Poder Executivo, e seus órgãos técnicos, como a FUNAI, pode decidir sobre essas demarcações. A situação é similar à de Trump que forçou o avanço do oleoduto Dakota Access, enquanto os caiapós podem ver seus direitos às terras retirados pelo governo.
“Sinto que a discriminação contra as comunidades indígenas é ainda maior hoje por causa das palavras do presidente Temer e de pessoas de seu governo, que falam mal dos indígenas e dizem que não merecemos as terras que temos”, disse Tuire. “Ele está apoiando a PEC 215, uma lei para remarcar os territórios indígenas, que vai deixar os fazendeiros e os mineradores usarem nossas terras.”
“A situação é preocupante”, ela acrescenta. “A pressão pelas terras deles está pior a cada ano — de gente que quer ouro, madeira ou terras — e eles estão lutando muito para proteger o que têm.”
O modelo de conservação do estilo de vida caiapó é o que torna a existência deles tão vital — não só para o Brasil, mas para uma questão ambiental mais ampla. Em 2016, o desmatamento na Amazônia aumentou 29%.
“O que as pessoas precisam entender é que a floresta é o lar deles: é o que eles protegem, é o que fornece seu sustento, é a base de sua cultura. Eles não protegem a floresta do mesmo modo como os ambientalistas ocidentais pensam em proteger a natureza, eles estão protegendo sua casa. Eles não têm uma separação entre eles e a natureza — eles são parte da natureza.”
Um dos protestos mais famosos dos caiapós aconteceu na cidade portuária de Altamira em 1989, contra um projeto de uma mega represa no Rio Xingu. A publicidade internacional que se seguiu obrigou o Banco Mundial a abandonar o financiamento do projeto.
Protestos e atenção da mídia global podem ser as ferramentas mais poderosas à disposição dos caiapós, mas como o caso de Standing Rock provou, isso não é suficiente. Organizar viagens de membros da tribo do Pará para Brasília também é caro, e com recursos limitados, os protestos indígenas estão se tornando menores e menos frequentes.