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VIAGEM À TERRA HUNI KUĨ HENÊ BARIÁ NAMAKIA

VIAGEM À TERRA HUNI KUĨ HENÊ BARIÁ NAMAKIA

Viagem à Terra Huni Kuĩ Henê Bariá Namakia

Realizei uma viagem à Terra Huni Kuĩ Henê Bariá Namakia, para participar da 23ª Assembleia Ordinária da Organização dos do Rio Envira – OPIRE, e este texto trará algumas impressões que me foram proporcionadas por esta experiência

Por Raial Orotu Puri

Esta não é a minha primeira ida a uma Terra Indígena no Acre, tampouco o é a esta Terra específica, razão pela qual não chego a ser uma “marinheira de primeira viagem”. No entanto, por diversas razões, digo de antemão que se tratou de uma experiência singular.

A primeira singularidade foi que, devido à demora no deslocamento entre Rio Branco e o município de Feijó, derivado em grande parte pelas péssimas condições da BR 364 – sempre ela! – chegamos muito tarde à cidade, e acabamos perdendo a carona que havíamos tratado com o pessoal da Funai. Assim, foi necessário encontrar outra carona.

Na ‘beira’, indicaram-me que o Cacique Jerônimo Barbosa estaria de partida assim que conseguisse arrumar o motor de seu barco e consegui com ele a confirmação da carona, e assim acabamos partindo imediatamente, para desespero de meus colegas, que estavam ansiosos pelo adiamento da continuidade da viagem para o dia seguinte.

Seguimos no casco* menor e mais ligeiro, o que neste caso, significaria que a viagem duraria cerca de seis horas, e, dado o horário de partida, resultou em que boa parte do percurso fosse feito à noite. Não vi isso como necessariamente arriscado ou perigoso, pois, é até desnecessário frisar a maestria dos parentes na condução de barcos. Além disso, fomos poupados do sol inclemente que nos afligiria se tivéssemos saído mais cedo.

E fomos… a duas horas de viagem, depois de contemplar um pouco do belo pôr do sol descendo sobre as águas do henê bariá (nome em Hãtxa Kuĩ** dado ao rio Envira), a noite chegou, e em  breve pude reencontrar o motivo maior e primeiro da minha paixão por esta terra: o céu do Acre, com suas milhares de .

Sempre que um dos meus conhecidos vem pela primeira vez ao Acre para visitar alguma aldeia, costumo recomendar enfaticamente: “olhe para o céu à noite!” – Aos que me perguntam o porquê, eu dou uma resposta evasiva: “apenas olhe. Depois a gente conversa…”. Tenho certeza de que aqueles que ouviram meu conselho entenderam.

A primeira vez que eu vi este céu foi numa visita ao Seringal Cachoeira, Xapuri, terra de Chico Mendes. Foi certamente uma das mais belas visões de minha vida: milhões de estrelas, de todos os tamanhos, espalhadas, agrupadas, alinhadas, dispersas, algumas estáticas, outras cadentes. Até hoje me lembro dessa situação com um arrepio, pois minha visão explodiu e me senti envolvida, capturada naquele mar de estrelas, que pareciam tão próximas que poderiam ser tocadas com a mão.

Ah sim, naquela epifania eu tentei realmente tocá-las, e embora não o tenha feito com um corpo físico, senti a aproximação e naquele dia jurei meu amor eterno àquele céu. Guardo sempre comigo essa memória, impossível de ser capturada com uma lente fotográfica, e talvez por isso mesmo indelével, e sempre carrego comigo a saudade de poder ver uma vez mais este céu.

Por esta razão, a ideia de viajar à noite foi acolhida sem mais delongas. Porque assim eu sabia que Ele viria. E ele veio. Primeiro, a primeira, neta da lua. Depois, à medida que a escuridão crescia, aumentava também o número das estrelas, até finalmente ele se revelar em toda a sua beleza. Um tempo depois, veio petahra, ou, no hãtxa kui: ushe. Super lua histórica que com seu brilho nos permitiu iluminação que passou a necessidade de dispensar o uso da lanterna.

A beleza não nos acompanhou apenas no ambiente ao redor, mas também nas sábias palavras que troquei com o Cacique Jerônimo, que sentou ao meu lado durante a subida, e com quem muito conversei e aprendi sobre o papel da liderança e da representatividade indígena junto ao mundo não indígena, bem como das relações que se fazem possíveis com não-indígenas que buscam atuar como colaboradores.

Creio que será melhor tratar em um texto específico sobre o que eu ouvi nesta subida, e que de certa maneira sintetiza muito do que seria enfrentado nas discussões que se desenrolaram ao longo desta assembleia. Faz-se necessário esse recorte, pois ainda me esperam outras subidas, outras idas, outros momentos de escuta, escrita e acompanhamento de reuniões político-organizacionais, e que neste momento não são o assunto que desejo destacar neste texto.

E assim, quase pontualmente à meia-noite, chegamos à aldeia Txanaya, na qual se realizaria a atividade. Dado o adiantado da hora, nos limitamos a dormir, e somente no dia seguinte viemos a ser recebidos de fato, com direito a sermos puxados para tomar parte nas danças das mulheres Huni Kui.

Foi também no dia seguinte, com o céu claro, que tive a certeza de que o relance que tivera na noite passada era uma realidade. Ao passarmos de barco entre a primeira aldeia daquela terra (Kurumê Iskuya) e a seguinte, onde aportamos, senti falta de uma presença majestosa, que certamente sombrearia o luar se estivesse ali.

Na manhã seguinte, ainda a procurei no horizonte, e tentei até mesmo enganar minha noção espacial, afim de me iludir e mudar de lugar, para alguma volta do rio acima, e assim proteger-me da tristeza que eu sabia que viria caso eu assumisse a verdade. Pelas bandas do meio-dia, no entanto, resolvi perguntar por ela, e então a notícia enfim se cristalizou em palavras: a grande ***Samaúma foi cortada. Não caiu. Foi cortada.

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Não sei se para quem nunca esteve na Amazônia, e nunca viu de perto uma Samaúma centenária, milenar às vezes, esta informação tem peso equivalente. E quero crer também que essa noção de sacralidade não prescinde do pertencimento a um povo indígena em particular.

Não estou me baseando na cosmovisão do meu para identificar esta árvore em específico como sacra: para os Puri, sagrada e intocável é Lonque, a sapucaia e Acaiaca, O Cedro Rosa. Mas a Samaúma é sagrada em si mesma, e transmite a quem quer que tenha olhos para ver essa noção de divindade, de ser que está ali para lembrar aos humanos que eles são mortais e finitos, mas que ela está além do tempo.

Mas qualquer pessoa que tenha tido a experiência de estar aos pés destes seres que sustentam o céu em suas galhadas, e que assentam suas nos fundamentos do mundo podem compreender o que estou tentando expressar aqui.

Pois qualquer pessoa que tenha visto verdadeiramente uma Samaúma é capaz de perceber que se trata de um ser vindo de outro mundo, e compreende a noção de sacralidade de que falo, e entenderá a profanação que representa o corte desta árvore.

Na primeira vez em que fui à Henê Bariá Namakia, ela lá estava e pude conhecê-la. Nesta ocasião também aprendi algo mais sobre o modo como o pajé desta terra em específica estabelecia sua relação com esta árvore, e de como sua presença se fazia importante dentro das dinâmicas ritualísticas praticadas da comunidade que ali habita.

Tive a honra de poder visita-la ao cair da tarde, e por conta disso pude apreciar o espetáculo das Borboletas Azuis, Morpho Anaxibia, “a coisa mais azul do mundo”, nas palavras de um botânico, e que para muitos povos indígenas são também seres sagrados vindos do céu.

Nada mais a propósito que justo as Morpho apareçam em número tão elevado nas proximidades de um pilar do céu… recordo que nesta visita, me foi falado com preocupação sobre o fato d’ela se encontrar perto demais do barranco, o que representava um risco renovado a cada nova cheia do rio – as quais têm se tornado cada vez mais frequentes e intensas, em decorrência de fatores externos, dentre eles, principalmente, a modificação do ambiente natural. Pois bem, esta Samaúma não chegou a cair por esse tipo de ‘causa natural’.  Foi cortada. Seu grande corpo jaz em parte submerso à beira d’água, e já se encontra meio apodrecido.

Foi cortada para dar passagem à fiação do projeto ‘Luz para Todos’, que tem levado rio acima a iluminação citadina. Acredito que a luz proporciona alguns confortos, como a água gelada, luzes nas casas, celulares carregados, amplificada em caixas de som, possibilidade de apresentações em data show em reuniões, e coisas desse tipo. O único porém está no fato de que, a meu ver, não existe conforto que pague o corte de uma Samaúma sagrada.

Acrescente ainda que nada impediria que este programa pudesse ter se esticado em poste e fiação alguns metros para cá ou para lá dela, tornando viável a permanência da Samaúma em pé e a introdução da luz elétrica. Ocorre, no entanto, que uma modificação desta , bastante simples, e tão óbvia, infelizmente parece passar ao largo dos pensamentos que advém das cabeças do raion (não-índio).

Afinal de contas, essas coisas que os indígenas valoram tanto, como suas árvores sagradas, seus cemitérios tradicionais, suas velhas malocas, não parecem ser coisa que ocupe o pensamento dos projetos desenvolvimentistas. São, ao contrário, apenas coisas que podem ser removidas sem grandes pesares ou considerações, que podem ser trocadas por mercadorias, benesses, confortos, ou qualquer coisa que faça as vezes de espelhos.

Trata-se da dificuldade de comunicabilidade que reside nas relações cada vez mais aproximadas entre o mundo tradicional e os elementos da modernidade, quando eles são introduzidos com base em projetos e cálculos que são feitos por pessoas que não conhecem as dinâmicas e os valores presentes no ambiente das Aldeias Indígenas.

É desse modo que se dão os problemas de programas sociais que acabam por criar dificuldades até então inexistentes; é desse modo que os projetos construtivos são absolutamente iguais do Oiapoque ao Chuí, e resultam em ambientes causticantes no norte e gelados no sul; é desse modo que árvores de mil anos são substituídas por cabeamentos e postes.

E, no entanto, apesar de tudo, ainda acredito ser possível uma certa convivência harmoniosa entre essas realidades tão díspares, desde que essa aproximação se dê com respeito, consulta e participação ativa dos pensamentos indígenas na sua concepção e implementação.

Entendo como viável, portanto, o estabelecimento de certa aproximação entre elementos da cultura tradicional e a modernidade, que, ao que tudo indica, vai acabar chegando de qualquer maneira, mas que idealmente, deveria ser feita da forma mais benéfica e menos prejudicial possível. Acredito, ou quero acreditar nesta possibilidade.

É o que me diz, por exemplo, o uso do celular moderno para gravar a dança e o canto tradicional. É o que diz o amplificador de som que toca exclusivamente as músicas no hãtxa kui. É o que me diz a importância dada ao registro em papel daquilo que outrora era apenas passado em transmissão oral. É o que me diz esse uso inteligente das coisas do mundo não indígena, e que são incorporadas ao cotidiano das aldeias, valendo-se delas para servir de motor para a continuidade das tradições.

A escola é certamente um dos melhores exemplos dessa possibilidade: as escolas vieram para as Aldeias inicialmente como uma inserção colonial e missionária, com objetivo de cristianização, e por isso mesmo de aculturação. Obviamente, o ensino sempre se fez presente na , mas não exatamente a escola com suas construções uniformes, suas salas, linhas retas, cartilhas e currículos lineares. Porém, a educação escolar indígena, notadamente no Acre, foi capaz de transformar esse elemento externo, e de fazer dele um caminho de valorização da cultura tradicional.

Do mesmo modo, penso que a simples existência de indígenas vivendo nas cidades denota essa mesma possibilidade: talvez para grande desespero dos projetos de aculturação capitaneados pela civilização branca ocidental, os indígenas não deixam de ser aquilo que são pelo simples fato de passarem uma parte significativa de suas vidas no asfalto. Existe uma essência que nem mesmo o mundo raion que a tudo consome e destrói é capaz de vencer. Por outro lado, é fato que a manutenção desta essência depende de um constante religar com o mundo ao qual verdadeiramente se pertence.

Recordo-me o que certa vez li sobre a concepção Huni Kui da importância de sempre reavivar os kenê que desenham em sua pele: isto tem a ver com a capacidade de lembrar a pertença ao nukun yura, pois que, à medida em que os desenhos se apagam, desfaz-se também a condição de recordar o corpo e a família, e, portanto, deriva no risco de transformação em yuxin, ou, talvez pior ainda, em nawa – este ser que vaga errante, incapaz de lembrar-se dos parentes e de sentir manuaii, uma falta tão intensa e crítica que é compreendida como equivalente à necessidade de água para aplacar a sede.

Importa lembrar que, dentro da perspectiva indígena, as fronteiras entre universos são mais abertas, e, por isso mesmo, a potencialidade transformacional se faz presente de maneira mais palpável, sendo por isso tanto dádiva quanto perigo.

Eis o porquê de me ver algo incomodada com as luzes que sobem rio acima: Os Puri se concebem como xambé chúri, filhos das estrelas, razão pela qual o apagamento delas nos parece tão preocupantes quanto o esmaecimento dos kenê na pele dos Huni Kui. A beleza do céu do Acre só se revela no escuro.

Quanto mais lâmpadas na terra, menos estrelas no céu, razão pela qual em Rio Branco não se vê o mar celeste que está na escuridão do Seringal Cachoeira, ou no Envira, nos trechos em que o percorremos livres de Feijó. Ao mesmo tempo, um dos pilares do céu foi cortado em uma das voltas do Rio.

Quantos deles ainda restam de pé? Quanto tempo mais restará até que o céu caia sobre as nossas cabeças? E, mais do que isso: que céu é este que cairá? O céu do Inka, o henóqui dos , o ocòra de onde vieram os Puri, ou um céu vazio, cristão e irreconhecível?

Não quero aqui parecer sobremodo fatalista, ao ponto de parecer estar defendendo que somente o afastamento completo de qualquer ‘conforto’ do mundo não indígena seja a solução possível para a preservação da cultura indígena. Como disse anteriormente nesse mesmo texto, e no anterior, acredito nas potencialidades da incorporação de técnicas, tecnologias, métodos, materiais e conhecimentos que possam ser utilizados de forma inteligente e útil para a valorização de elementos do tradicional.

Existem inumeráveis outros exemplos de como dinâmicas podem resultar em experiências de sucesso. Já disse também e acredito sempre que o movimento de aproximação ou afastamento das coisas do raion devem ser sempre uma escolha consciente e particular de cada povo, que deve ser respeitada em absoluto.

Mas acredito também que existem barreiras para além das quais não se pode voltar, ao menos não com facilidade… E sei principalmente que não existe tecnologia no mundo, em quaisquer deles, que dê conta de restaurar uma Samaúma que foi cortada.

Raial Orotu Puri – Indígena do povo Puri. Graduada em Direito. Doutoranda em Antropologia. Chefe de Divisão no IPHAN/Acre. Assessora jurídica da Federação do Povo Huni Kui do Acre (FEPHAC). 

Puri –  Segundo  o indigenista acreano Jairo Lima,  o nome Puri é uma designação de cunho pejorativo, que teria sido atribuído pelos vizinhos, não necessariamente amigáveis, os coroados o significado da palavra seria algo como ‘gentinha, gente miúda, povo fraco’. Apesar desses significados depreciativos, Puri acabou sendo o nome assumido como etnônimo, sem grandes recalques daí derivados. (Minha avó costumava dizer que era ‘pura intriga da oposição’…)

Notas da Autora –  *Casco – barco de pequeno porte, pra viagens velozes. **

Nota sobre o uso de letra maiúscula para designar as árvores: quando cita-se o nome de uma pessoa, instituição, etc é automático a colocação da letra maiúscula.

Da mesma forma, quando se quer marcar o respeito por determinada instituição ou ser, usa-se o maiúsculo. Por exemplo, não há muita necessidade de aprofundar sobre a diferença que existe em escrever ‘Deus’ ou ‘deus’…

A minha forma de grafar esses nomes tem correlação com essas duas circunstâncias: faço-o em sinal do respeito que tenho por esses seres, considerados por sagrados.

No caso da Acaiaca e da Loque, trata-se de um conceito de que se relaciona com a concepção de mundo de meu povo. No caso da Samaúma, isso também se atrela à noção de sagrado, que tal qual comentei no texto, reporta-se à situação de se aproximar de um ser poderoso e o reconhecer.

A árvore cortada, não era apenas uma árvore, nem sei se posso dizer tampouco que fosse uma samaúma qualquer, como as demais que ainda existem na Henê Baria Namakia.

Ela era uma Pessoa. um ser com nome, cujo Nome não cabe aqui dizer, razão pela qual,  chameia-a de Samaúma. Talvez seja mais uma conversa incompreensível para quem nunca tenha vivido esta situação, mas o que quero dizer é que, diante de um dos pilares do céu há que se ter, antes de tudo, respeito. *** Língua tradicional dos Huni Kui.

Imagens – As ilustrações desta matéria foram selecionadas por Jairo Lima e são de: Quadro 1:Uziel Gaynê Maraguá; Quadro 2: autor desconhecido:  Quadro 3: Moisés Piyanko:  Quadro 4:  Pedro Guilherme:  Quadro 5: John Louis Graz. A imagem da capa é de autoria desconhecida.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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