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Comunidades quilombolas

Comunidades quilombolas fazem campanha pedindo respeito às tradições

Campanha pede respeito às tradições das comunidades

DONA DIVA, DO QUILOMBO PEDRO CUBAS DE CIMA, É UMA DAS QUE SOFRE COM O ATRASO DAS LICENÇAS. (FOTO: AGÊ BARROS – ISA)

roça de coivara é a forma que os quilombolas do Vale do Ribeira, no interior de São Paulo, e outras tantas comunidades tradicionais espalhadas pelo país, produzem sua comida. Ela consiste em colocar fogo em um pedaço de mata, que fixa os nutrientes de forma rápida no solo, e permite o cultivo de alimentos sem a necessidade de qualquer outro insumo, como fertilizantes.

Apesar de utilizar fogo, esse modo de plantio respeita o tempo de regeneração da floresta. Há 200 anos essa convivência harmoniosa entre pessoas e floresta é parte central do manejo de recursos naturais do Vale do RIbeira, que contribui para a preservação da .

Foi assim que a região conseguiu manter uma das maiores concentrações do bioma no . 21 % do que ainda existe de Mata Atlântica está ali. “Você anda pelo Vale do Ribeira (fora das comunidades) e é tudo pasto, bananal. A gente está aqui e preserva há quanto tempo?”, questionou uma moradora do quilombo São Pedro, Regiane Lilian, em documento elaborado pelo Instituto Socioambiental.

O problema é que ao longo do tempo, na tentativa de preservar a natureza, a legislação foi colocando entraves na convivência de seres humanos com a floresta. Se o ser humano à frente do agronegócio impacta de forma negativa o meio ambientehá milênios já sabemos viver de junto à floresta de forma que todos saiam ganhando.

Ano após ano, os quilombolas precisam pedir o licenciamento ambiental para que possam praticar sua agricultura de subsistência. Até aí tudo bem, o problema é que a permissão do governo sempre demora muito para chegar. Autorizações solicitadas no início de 2017, por exemplo, só chegaram em junho do ano seguinte.

Secretaria de , Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), Fundação Florestal e Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) dividem a responsabilidade pela emissão do documento, de acordo com a categoria da área, como se está em território quilombola ou área de proteção ambiental.

A natureza não se importa muito com papelada e, para que seja seguido seu ritmo, os quilombolas devem fazer tudo no tempo certo. A época ideal para a abertura da área é julho, quando o clima está seco e, assim, permite que a vegetação fique ideal para a queima. O plantio costuma ocorrer em agosto e setembro, e a colheita a partir do próximo ano, dependendo da espécie de cultivar.

Por isso, é essencial que as autorizações cheguem, no máximo, até junho do mesmo ano, para que os quilombolas possam iniciar o corte da mata no momento correto. “A demora é um meio de desanimar. A nossa roça tem tempo para tudo: tem o tempo de escolher o lugar, tem o tempo de roçar, tem o tempo de derrubar”, explica dona Diva, 72 anos, do quilombo Pedro Cubas de Cima.

Entre 2015 e 2017, a licença para a abertura das roças atrasou em 45% dos pedidos, aponta levantamento realizado com entrevistas com 193 quilombolas de 14 comunidades pelo Instituto Socioambiental. Desse total de entrevistados, 76% deixou de plantar. São ao menos 90 roças que deixaram de ser feitas. A estimativa é que 270 mil quilos de alimentos deixaram de ser produzidos em 2017.

As consequências, no entanto, não se restringe aos próprios quilombolas. As sementes, orgânicas e não modificadas, precisam ser plantadas pouco depois de colhidas. Com o atraso, elas estragam e espécies de alimentos estão desaparecendo.

Um estudo do grupo de Humana de Florestas Neotropicais, da Universidade de São Paulo, coordenado pela bióloga Cristina Adams, mostra que, entre 1986 e 2000, houve uma perda de 52% das variedade agrícolas locais. São espécies de arroz, feijão, cará, mandioca, mandioca, banana, abóbora que nunca mais poderão ser plantadas.

De acordo com Sueli Berlanga, da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras do Vale do Ribeira (EAACONE), essa demora contribui para o esvaziamento das comunidades tradicionais, abrindo espaço para outros interessados na área. Há 92 requisições para mineração na região.

“Tem uma política de esvaziamento do território, e como faz essa política? Coibindo toda a ação das comunidades tradicionais”. afirma Sueli. “Porque tanta dificuldade pra fazer uma roça que eles tão fazendo há séculos? É uma política de impedir que a população viva da própria ”, conclui.

Por isso, o Instituto Socioambiental lançou nesta sexta-feira, 17 de agosto, a campanha “Tá Na Hora de Roça”. A petição online pede que o Governo do Estado de São Paulo trabalhe em conjunto com os órgãos responsáveis de modo a agilizar o processo de licenciamento nessas comunidades tradicionais de modo que elas consigam acompanhar o ritmo da natureza.

ANOTE AÍ

Fonte: Revista Galileu

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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