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A tragédia dos Munduruku e a conivência dos “daydu”

A tragédia dos Munduruku e a conivência dos “daydu”

Ao sobrevoar com o Greenpeace a Terra Indígena Munduruku, no oeste do Pará, no último dia 19, o cacique geral do povo Munduruku viu, repleto de tristeza, o rastro de destruição deixado por uma onda de garimpos que se estabeleceu ao longo de um dos principais rios de seu território.

O povo Munduruku é contra a mineração em suas terras e para apoiá-los no combate a esse crime, enviamos uma denúncia à Polícia Federal de Santarém (PA) e ao Ministério Público Federal no fim da semana passada.

Do avião, flagramos enormes crateras abertas em plena área protegida de . Imagens chocantes revelam ganância e sede de destruição: dezenas de retroescavadeiras, acampamentos armados e muitos homens trabalhando. Foi possível avistar até mesmo um avião com pista de pouso dentro dos limites do território indígena, o que mostra não haver preocupação por parte dos criminosos de serem punidos.

Vivendo uma tragédia sem precedentes, os Munduruku, que contam hoje com uma população de 13 mil pessoas, tentam resistir aos riscos de contaminação de suas terras, seus rios e seus corpos.

Em uma área que deveria estar completamente preservada, o  aumentou quase seis vezes em dois anos. De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2017 foram desmatados 2,64 km² de floresta dentro da TI Munduruku; em 2018, foram 4,84 km²; em 2019, 15,46 km².

O é o principal responsável pela destruição: entre agosto de 2018 e agosto de 2019, a atividade consumiu nada menos que 10,71 km² de floresta.

O garimpo espalha lama contaminada por dezenas de aldeias, situadas em três dos principais rios da terra indígena. Além da imensidão de floresta derrubada, os rios, fonte de vida para os indígenas, também são vítimas.

No sobrevoo, constatamos que o Rio Kaburuá teve seu leito completamente drenado para o garimpo e está destruído da cabeceira à foz. Ele se tornou um rio morto. Suas cabeceiras também viraram reféns do garimpo criminoso.

“Os Munduruku sobreviveram a 519 anos de guerras e massacres, mas agora temem pelo futuro, porque a ameaça de hoje não se limita a destruir florestas e rios. Ela desestrutura também a organização social e política desse povo”, alerta Danicley Aguiar, da Campanha de do Greenpeace .

A invasão da Terra Indígena Munduruku é exemplo de um processo devastador que institucionalizou aviolência contra os e seus territórios. Em 2018, foram registradas 109 invasões a , um aumento de 13% em relação a 2017. Dados preliminares do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) indicam que em 2019, até setembro, houve 160 casos de invasão.

Essa explosão de reflete o discurso anti-indigenista do governo Bolsonaro, que tem uma verdadeira obsessão por abrir as áreas indígenas para mineração. Ao invés de estimular o crime, Bolsonaro deveria atuar no combate ao desmatamento e pela proteção dos povos indígenas, que comprovadamente preservam mais a floresta.

 

COMUNICADO DO POVO MUNDURUKU

Mundurukânia, 27 de setembro de 2019

O desgoverno do Brasil não fala pelo povo Munduruku.

Bolsonaro, em sua fala na ONU, disse que nós indígenas somos “homens da caverna”. Ele nos define pelo que ele é. Bolsonaro não nos representa e as suas palavras são vazias. Nossas crianças tem mais sabedoria que ele.

Reunimos caciques, cacicas, guerreiras, guerreiros, pajés, cantores e professores do nosso povo Munduruku do médio e alto Tapajós e baixo Teles-Pires. Conversamos sobre todos os ataques e ameaças aos povos indígenas no Brasil e nossos territórios e direitos.

Trazemos a nossa palavra.

Sabemos que os “daydu” – nome que damos a políticos traidores – estão fazendo leis para acabar com a de terras indígenas. Querem liberar nossas terras para exploração de minérios, construção de hidrelétricas, ferrogrão, hidrovia.

Querem acabar com os povos indígenas, destruindo nossas florestas, rios e locais sagrados. Somos contra o garimpo e mineração em terra indígena. O garimpo está dividindo nosso povo, trazendo novas doenças, contaminando nosso povo com mercúrio, trazendo drogas, bebidas, armas e prostituição. E ganância.

Tudo isso impacta todos os povos indígenas, comunidades tradicionais como Montanha e Mangabal e principalmente nosso povo Munduruku que vivem e protegem há centenas de anos os rios e as florestas do Tapajós. Não existe diálogo para destruição. Nós não negociaremos nossas terras e vamos impedir qualquer organização que servem a isso de entrar no Tapajós.

Alguns parentes cegos com o brilho do ouro, estão fazendo o jogo sujo dos daydu, e publicamente afirmando que o povo Munduruku é a favor de garimpo e da mineração. Vamos repetir: suas palavras estão cheias de “dapxim” – cheias de ódio e mentira.

Esses Munduruku sentados nessas mesas de Brasília com vocês estão doentes. Eles deixaram máquinas de garimpo destruírem nossa terra, e não nos representam, e nem são a maioria.

Nenhum vereador representa o povo Munduruku, porque ele não faz parte da nossa política e organização tradicional. Não podem falar de nenhum lugar sagrado, não podem negociar em nome do povo Munduruku.

Somos mais de 14 mil e temos o nosso movimento de resistência e nossas associações. Temos um protocolo de consulta que deve ser respeitado por vocês como lei, com direito de veto.

Nenhuma lei pode dizer como será feita a consulta a cada povo. A convenção 169 já existe para dizer o que é consulta livre, prévia e informada e nosso protocolo existe para dizer como ela deve ser feita. Não estamos sendo consultados sobre nenhuma dessas leis e projetos que vocês estão pensando para o Tapajós, que é a nossa casa.

Temos autonomia para ter nossa organização e decidir sobre nosso futuro, como vocês escreveram na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da OIT.

Estamos construindo nosso bem viver com a sabedoria das mulheres, geradoras da vida, dos nossos pajés, guias espirituais, dos nossos guerreiros, das nossas lideranças e também das nossas crianças, e estamos prontos para rasgar todas essas leis e projetos que espalham a morte.

Queremos alertar vocês que somos um povo guerreiro. Aprendemos a guerrear com o grande Karodaybi, nos silêncios das madrugadas, e por isso, somos chamados por outros povos de formigas de fogo.

Estamos prontos para guerra que vocês estão travando e queremos avisar que aqui no nosso território na Mundurukânia, ocupada há séculos pelos nossos antepassados, onde por toda parte do Tapajós encontramos pegadas e sinais de Karosakaybu e Muraycoko, ninguém vai entrar para explorar, destruir e transformar tudo em mercadoria e dinheiro. Já passou da hora do Governo cumprir as leis que vocês mesmos escreveram e retirar os invasores das nossas terras. Denunciamos há mais de 20 anos os madeireiros e garimpeiros pariwat e sempre temos que agir sozinhos.

Mas não vamos parar e não vamos nos render. Nunca perdemos uma guerra e já cortamos algumas cabeças de inimigos. Será que teremos que voltar a cortar as cabeças dos inimigos? Sabemos como agir, a partir da nossa política e organização tradicional.

Movimento Munduruku Ipereg Ayu, Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Associação Indígena Pariri (Médio Tapajós), Associação Dace (Teles-Pires), Associação Wuyxaximã, Associação Indígena Pusuru, Associação Kurupsare, CIMAT, Sawe

Fonte: Conexão Planeta e CIMI

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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