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Agronegócio comemora enquanto fome se agrava

Agronegócio comemora enquanto fome se agrava

Agronegócio comemora enquanto fome se agrava

Como pode haver tanta produção agrícola e, ao mesmo tempo, tanta fome no país?…

Por Helen Borborema / Mídia Ninja

Enquanto o agronegócio festeja e alardeia seu novo recorde de produção, esta pergunta ecoa nas panelas vazias e nos dados sobre a situação alimentar da população brasileira. De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto de Pandemia da Covid-19 no Brasil, 19,1 milhões de pessoas passaram fome e 55% não se alimentavam adequadamente no final de 2020. Ao mesmo tempo, o agronegócio brasileiro comemora produção histórica de grãos e crescimento de 5,7% do volume produzido nesta safra (2020/21), comparado à anterior.

“Aparentemente, são dados contraditórios. Mas precisam ser entendidos como duas faces da mesma moeda,” explica o agrônomo e pesquisador Paulo Petersen, integrante do Núcleo Executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), refletindo sobre os dados da expansão do agronegócio, divulgados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e os resultados do Inquérito revelado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan)


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Segundo Petersen, “essas duas faces [da moeda] fazem parte de um entendimento de que a maximização dos lucros é o que preside a lógica do regime agroalimentar dominante, que na verdade é um sistema de poder controlado por corporações internacionais. Então, nas atuais circunstâncias, com aumento da demanda internacional por alimentos ou grãos e alta do preço do dólar, a produção é  canalizada para a exportação, onde o negócio realiza maiores ganhos”, analisa.

De acordo com ele, a fome não é um  paradoxo. É a consequência do sucesso desse agro. “O agro que se apresenta como produtor, como responsável pelo equilíbrio da balança comercial, como indutor do desenvolvimento, é o agro que na realidade destrói quaisquer possibilidades de desenvolvimento. O que é apresentado como moderno aos olhos da opinião pública, nada mais é do que o emprego da lógica ultraliberal que radicaliza as desigualdades e a violência, tratando contingentes cada vez maiores da população como descartáveis”, explica.

Na mesma linha, o pesquisador Silvio Porto, professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e ex-diretor da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) analisa que “o aumento da fome e da miséria no Brasil, ao mesmo tempo em que o país bate recorde na produção agrícola, é um contrassenso e uma aberração”.

Segundo Porto, “o descolamento entre a estratégia de produção voltada a atender quase que exclusivamente o mercado internacional, ou pelo menos baseado na produção de commodities, basicamente soja e milho, representando cerca de 90% da produção nacional de grãos […], demonstra que não há preocupação com a produção de alimentos diversificados, adaptados regionalmente, destinados a suprir as necessidades do povo brasileiro,” comenta.

Em Barreiras, município localizado no oeste da Bahia, sistema de pivô central de irrigação usado em plantações de soja para aumentar o número de colheitas por ano.
Em Barreiras, município localizado no oeste da Bahia, sistema de pivô central de irrigação usado em plantações de soja para aumentar o número de colheitas por ano.

Segurança alimentar e nutricional é um direito

Tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, como na Constituição do Brasil, está assegurado o direito humano à alimentação adequada. Mas, desde o início do mandato do atual presidente, o Planalto tem dado pistas de que não se preocupa com o assunto.  Prova disso foi a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) por Medida Provisória no primeiro dia de governo Bolsonaro.

Além do enfraquecimento de diversas políticas públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), no ano passado, o presidente da República vetou quase todos os artigos do Projeto de Lei 735/20 (atual Lei Assis de Carvalho), que havia sido aprovado por unanimidade no e beneficiaria a agricultura familiar, segmento responsável por garantir cerca de 70% dos alimentos que chegam nas mesas dos brasileiros.  Com os vetos presidenciais, a Lei já nasceu “letra morta”. Em plena pandemia, com diminuição da capacidade dos transportes rurais e das feiras, infelizmente os trabalhadores e as trabalhadoras rurais ainda não receberam nenhum apoio para continuar a produzir alimentos. Agora, as esperanças estão renovadas com a tramitação na Câmara Federal do PL 823/21, que pode entrar em votação a qualquer momento. A proposta institui medidas emergenciais de amparo aos agricultores e agricultoras familiares para mitigar os impactos socioeconômicos da emergência de relacionada à Covid-19.

Enquanto isso, as máquinas de remarcar preços nos supermercados não param de trabalhar. Ao todo, o país fechou o ano de 2020 com a inflação de alimentos atingindo  quase o triplo da inflação geral.  Alimentos básicos como o arroz (+76,01%), óleo de soja (+103,79%), feijão preto (+40%), entre outros, tiveram importantes altas e esse resultado impactou no orçamento das famílias, principalmente com o fim do auxílio emergencial de R$ 600,00.

Segundo Silvio Porto, “a atual política governamental para a alimentação é um desastre, é suicida, ela é ‘a morte de uma crônica anunciada’. Ou seja, neste ano de 2021 e nos próximos anos, o que estamos vendo, e o que está delineado, é que esse país vai se especializar cada vez mais em produzir commodities para atender o mercado internacional ou produzir matéria-prima para a indústria produzir alimentos de baixíssima qualidade, alimentos ultraprocessados, que vão gerar cada vez mais problemas de doenças associadas à má alimentação, contribuindo para a destruição de nossos territórios e a redução da agrobiodiversidade,” comenta.

Subsídio para

Segundo estudo produzido pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), as isenções fiscais e a redução de impostos concedidos às empresas que produzem e vendem agrotóxicos no Brasil, somam quase R$10 bilhões por ano de benefício e incentivo. Sem contar que, ainda em 2020, o agronegócio bateu mais um recorde: foram 493 novos agrotóxicos aprovados para uso nas lavouras brasileiras, muitos, inclusive, já banidos em outros países pelo alto potencial toxicológico.

De acordo com as projeções, é esperado que haja um aprofundamento no abismo que existe entre o argumento do “agro que produz alimento para matar a fome” e os dados de pesquisas sobre a fome. Especialistas apontam que, em 2021, o Brasil pode chegar a 20 milhões de famintos.

“Eu diria que estamos seguindo um caminho ladeira abaixo, um  caminho para o suicídio, um caminho que pode ser sem volta, porque as políticas que aí estão só irão aprofundar os problemas socioambientais no país.  É fundamental que haja uma mudança de rumo, uma mudança de orientação política o mais rápido possível para que se consiga  dar um basta na situação que estamos vivendo”, analisa Porto.

O ex-diretor da Conab também criticou o imenso território destinado à  produção de commodities e a abertura de novas fronteiras agrícolas para o plantio de soja destinada  ao mercado internacional, como já vem acontecendo. Segundo ele, “não é possível seguir produzindo esse volume de commodities, ocupando o território brasileiro com tão poucos produtos em detrimento da agricultura familiar e camponesa, que está confinada a menos de ¼ da área dos estabelecimentos rurais brasileiros.”

De acordo com Silvio Porto, “é fundamental que haja a reforma agrária associada a uma política de agroecologia  que oriente  um processo de desenvolvimento. Com isso,  criar outro ambiente na perspectiva da justiça social, justiça de gênero,  justiça ambiental,  para que tenhamos uma cidadania plena e uma plena, com distribuição de e profunda mudança na estrutura agrária do país”.

Imensidão de cultivo do agronegócio na região entre os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, conhecida como MATOPIBA.
Imensidão de cultivo do agronegócio na região entre os estados do , Tocantins, Piauí e Bahia, conhecida como MATOPIBA.

Desemprego

Outro dado que revela a real face do agronegócio é o fato de que, mesmo em ano de safra recorde, o setor deixou de empregar 949 mil trabalhadores, de acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). A pesquisa também revelou que os grupos de trabalhadores mais impactados pela diminuição da ocupação foram os econômica e socialmente mais vulneráveis, como empregados sem carteira assinada (-13,4% ou menos 427 mil pessoas), pessoas com menor instrução formal (-15,6% ou menos 137 mil pessoas), e (-6% ou menos 343 mil).

Segundo Paulo Petersen, essa é uma das características centrais da economia do agronegócio. “Ela faz isso ao especializar a produção com muita química e muita mecanização. Dessa forma, o agronegócio depende cada vez menos de humano. É uma atividade econômica que ocupa vastos territórios e vai contribuindo para gerar o chamado desemprego estrutural. Quer dizer que são atividades econômicas que não ocupam gente, é uma agricultura sem agricultores e sem agricultoras”. E acrescenta: “então, toda a lógica de inovação tecnológica da agricultura vai nessa direção. É a chamada agricultura de precisão, os próprios transgênicos, a lógica dos herbicidas… Isso tudo é feito para fazer com que a agricultura se assemelhe à lógica fordista de produção industrial, produção em série, que permite que as operações sejam todas mecanizadas ou tratadas com a substituição do trabalho humano pela mecânica e pela química. Isso faz com que a cada tempo que passa, a gente vai tendo o mundo rural cada vez mais esvaziado para a formação de conurbações ambientalmente insustentáveis, com periferias que vão se convertendo em verdadeiros purgatórios para a população.”

Para Petersen “o abastecimento alimentar da população não é uma questão que deve ser tratada pelo mercado. Isso é uma questão pública, e como tal deveria ser de responsabilidade do Estado. O caso é que nem o Estado e  menos ainda os mercados vêm assumindo essa responsabilidade. Então, a fome  crescente [para muitos], em um contexto de abundância para poucos, concretiza uma verdadeira distopia acentuada no contexto de pandemia.”

Na perspectiva da agroecologia, Petersen também avalia que é importante pensar que a terra tem que cumprir sua função social e ecológica, tal como previsto na Constituição Federal. Além disso, é dever do Estado a promoção da segurança alimentar e nutricional baseada no princípio do direito humano à alimentação saudável e adequada. Para ele, “isso implica dizer que o acesso ao alimento não pode ser regulado como uma mercadoria como outra qualquer e […] implica também na necessidade de transformação estrutural do regime agroalimentar. Essa é uma questão que tem mobilizado a comunidade internacional. E a agroecologia se apresenta como um enfoque para a transformação dos sistemas agroalimentares para que cumpram a função social e ambiental da terra e assegurem o cumprimento do direito humano à alimentação saudável.

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

revista 119

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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