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CANDIDATOS INDÍGENAS E LGBT+ BUSCAM ABRIR ESPAÇO NUMA SANTARÉM À DIREITA

CANDIDATOS INDÍGENAS E LGBT+ BUSCAM ABRIR ESPAÇO

Candidatos indígenas e LGBT+ buscam abrir espaço numa Santarém à direita

Cacica Raquel Tupynambá aspira a ser a primeira vereadora indígena em Santarém, enquanto Biga Kalahare tenta a reeleição

Por Rubens Valente, José Cícero/Pública

SANTARÉM — Uma é cacica Tupinambá que luta para se tornar a primeira vereadora indígena em mais de 360 anos de não indígena de Santarém, no Pará. O outro é o primeiro vereador gay da história do município – segundo diz, brincando, “o primeiro assumido” – que batalha pela sua primeira reeleição.

Raquel Tupynambá, 34 anos, e Biga Kalahare, 35, ambos do PT, representam minorias que buscam se firmar no cenário de Santarém como atores políticos para fazer o contraponto em meio ao avanço do agronegócio e às pautas da direita.

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A trajetória de Tupynambá tem se tornado cada vez mais comum entre as jovens lideranças indígenas no país. Elas saem para estudos sobre o dos não indígenas e retornam à sua terra de origem para trabalhar em torno das bandeiras do movimento indígena.

Nasceu na aldeia Surucuá, em uma terra indígena hoje sobreposta à reserva extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns. Ainda adolescente, aos 15 anos, foi estudar no Instituto Federal do Amazonas, em Manaus, onde se formou em biologia. Em seguida emendou com um mestrado em botânica no Instituto Nacional de Pesquisas da (Inpa).

Em 2019, iniciou um doutorado em antropologia social na Universidade de Brasília (UnB). Nesse todo, deu aulas dentro e fora da reserva extrativista.

Em 2021, seguindo os passos de liderança da mãe, Maria do Rosário, que também foi cacica, Raquel se tornou coordenadora do Conselho Territorial, entidade representativa dos Tupinambá.

Sua pesquisa de doutorado é sobre a origem do seu povo, que teve os primeiros contatos com não indígenas por volta de 1700 na região de Santarém. Hoje somam cerca de 3 mil indígenas em 28 aldeias. “Estamos aqui há mais de mil anos, no mínimo. Estudos arqueológicos feitos na região mostram que ali, no nosso território, os primeiros vestígios de povos indígenas são de cerca de 2 mil anos atrás”, disse Raquel.

POR QUE ISSO IMPORTA?

A Agência Pública está percorrendo a BR-163, entre os estados do Mato Grosso e Pará, e o município de Santarém é um dos locais dessa rota onde nossa equipe investiga como o tema das mudanças climáticas e meio ambiente vem sendo discutido nas . A região é extremamente marcada por , conflitos e desmatamento, com cidades que registram grande adesão ao bolsonarismo.

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Em mais de 360 anos de história não indígena de Santarém, a cacica Raquel Tupinambá luta para se tornar a primeira vereadora indígena no município

Um dado absurdo da história é que essa mesma terra indígena, comprovadamente ocupada por indígenas há centenas de anos, até hoje não está demarcada pelo governo federal. O território sofre ameaças e invasões, mas ficou razoavelmente protegido graças à ação dos Tupinambá. Ele hoje está sobreposto à Resex, com 647 mil hectares, que data de 1996. Os indígenas reivindicam cerca de metade da Resex.

“A Resex também foi criada como uma luta do povo Tupinambá. Porque nessa época, nos anos 1990, havia duas madeireiras dentro do território que estavam tentando expulsar as pessoas que ali moravam. Então o povo se juntou, se reuniu e naquele momento entendeu que, junto com o Sindicato dos Rurais, talvez fosse a melhor estratégia, a criação de uma Resex”, disse Raquel.

Assim como em toda a região do Baixo Amazonas, a terra de Raquel também sente os efeitos da expansão do agronegócio e da . Vários pontos do rio estão intransitáveis, o que tem feito barcaças de grãos ancorar perto de aldeias.

Ao mesmo tempo, começaram os rumores de que os transportadores de grãos pretendem explodir rochas ao longo do rio a fim de facilitar a navegação. “Os pedrais são locais sagrados e berçários de peixes e quelônios. Isso está nos preocupando bastante. Vimos uns barcos fazendo essas pesquisas, mas ainda não está oficializado”, disse a candidata.

A exemplo de muitas lideranças jovens indígenas, Raquel usa seus perfis nas redes sociais com mensagens em defesa da preservação “das nossas florestas e dos rios” e para “promover justiça climática para todos”.

Raquel disse que, logo que começou a campanha, sofreu uma primeira onda de ódio no Instagram, no qual tem 7 mil seguidores. “Inicialmente teve um ataque na rede, ‘ah, não é indígena nem aqui nem sei onde’. Mesmo com todo esse estereótipo que eu tenho, teve gente que teve a coragem de dizer que eu não sou indígena.

A gente não ligou. Hoje tenho sentido que tem menos ataques nas redes e tenho sentido uma adesão das pessoas no sentido de que ‘você é indígena, vou votar em você porque acho que você pode fazer diferente’.”

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Santarém, com 331 mil habitantes, se transforma visualmente com a expansão do agronegócio:”O que se via antes e o que se vê agora é totalmente diferente”, diz o Biga

Projetada na internet, a “bixa santarena” alia humor ao trabalho

Biga Kalahare, o vereador eleito em 2020 que tenta a reeleição, também defende a preservação da Amazônia. No início de setembro, postou uma foto ao lado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Alguns internautas xingaram a ministra, mas a publicação teve mais de 2,2 mil curtidas

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Eleito em 2020, o vereador Biga Kalahare tenta a reeleição para Câmara de Vereadores de Santarém

A meteórica carreira política de Biga – diminutivo de Abigail, nome social escolhido por Márcio Adamos Lima Silva – é um fenômeno típico das redes. Nascido em Santarém, filho de pais cearenses, em 2009 Biga se mudou para Manaus (AM), onde trabalhou como operário de linhas de produção na Zona Franca da cidade. Retornou a Santarém em 2012, onde foi contratado como frentista de um posto de gasolina.

Quando voltou, Biga percebeu melhor as profundas transformações vividas na região de Santarém com a chegada da monocultura.

“A nossa cidade sofre uma destruição visual de impacto muito forte com a chegada dos sojeiros. Subindo a BR-163, o que se via antes e o que se vê agora é totalmente diferente. Territorialmente falando, a gente não vê mais quase mata. A gente vê muita plantação. A gente vê muito esses grandes galpões, essas carretas. Isso de 10, 15 anos para cá. A cada ano que passa, a gente vê menos mata. E isso eu acho que financeiramente é bom, né?, mas eu acho que socialmente, não é legal.”

Ainda como frentista, Biga começou a olhar com mais atenção para as possibilidades da internet. Queria trabalhar com humor. Em 2016, postou no YouTube o primeiro de uma série de vídeos em que se apresentava como “a bixa santarena”. Os vídeos, somados, tiveram mais de 800 mil curtidas, a ponto de chamar atenção de um blogueiro já conhecido na cidade. Era JK do Povão, exatamente o atual candidato a prefeito bolsonarista e fortemente apoiado pelo agronegócio.

Biga trabalhou com JK durante um ano. Atuava como repórter, indo a diversos bairros de Santarém, com 331 mil habitantes, a fim de mostrar os problemas da periferia e cobrar soluções das autoridades. Ele começou a viralizar no Instagram e percebeu que podia trilhar um caminho independente. Hoje ele tem 127 mil seguidores na rede social.

Em 2018, houve um ponto de virada quando ele comentou, no Instagram, que tinha sonhado que tinha conversado por meia hora com um dos seus ídolos, o ator e comediante Paulo Gustavo, morto pela em 2021. Ocorre que o artista assistiu ao vídeo e respondeu que falar com ele por meia hora “é só em sonho, porque na vida real é só oi, oi, beijinhos e tchau”.

A brincadeira foi mal recebida por muitos internautas, que pediram uma retratação de Gustavo. Biga, porém, disse que entendeu a zoeira e passou a defender o seu ídolo. Depois, na pausa de um show em Manaus, Gustavo se encontrou com Biga para conversar e tirar fotos. Toda a celeuma rendeu milhares de visualizações para Biga, que virou uma celebridade em Santarém.

Nos seus vídeos, Biga também falava e fala de política, mas de um jeito próprio. “Em todos os meus vídeos de crítica, eu faço engajamento pra galera rir e ao mesmo tempo ir no gancho da crítica. Porque política é chata, né? A gente sabe que política é chata. E pra gente fazer com que as pessoas fiquem no assunto da política ou tu tens que ser muito safo pro conteúdo que tu estás mostrando ou tu tens que fazer tuas maluquices pra poder fazer a galera ficar no assunto, entendeu?”

Em 2020, Biga decidiu se lançar a vereador. Primeiro se filiou ao Novo, depois se acertou com o PT. Foi eleito em penúltimo lugar, com 1.276 votos. No começo, foi mais difícil, recebeu ameaças e ondas de ódio.

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Em 2020, Biga Kalahare foi eleito vereador pelo PT em penúltimo lugar, com 1.276 votos

“A Biga de três anos atrás não é a mesma Biga de hoje. Eu era um pouco imatura. Era uma nova experiência, um novo território em que eu tava entrando. E aí eu fui afrontoso mesmo. O pessoal me chochava [falava mal] muito. E aí eu gritava nas minhas redes sociais.

Que ‘agora vocês vão ter um vereador viado, um vereador bicha’. E aí isso aí revoltou muito a galera tradicional. E tipo, meio que eu afrontei. E aí eles vieram com os caralho pra cima de mim. A pior ameaça foi uma de que ‘se me pegassem na rua eu ia me dar porrada’. Falavam que eu era envolvido com facção. Mentiras desse tipo.”

Com o tempo, contudo, o ódio diminuiu, quase desapareceu. Biga disse que provou, no dia a dia da Câmara, que pode recorrer ao humor nas redes e, ao mesmo tempo, ser sério na hora do trabalho. Apresentou 42 projetos de lei e aprovou “três ou quatro”.

Um dos mais importantes foi o que obriga bares e boates a adotar a política do “não é não”, isto é, instalar placas e cartazes com informações para os empresários saberem agir no caso de um assédio sexual contra um cliente, principalmente contra mulheres. A lei foi aprovada, mas ainda não entrou em vigor.

Tanto Biga quanto Raquel Tupynambá reconheceram que a militância do PT ficou “chateada” ou “frustrada” com a aliança do partido com forças da direita que incentivam o agronegócio na região, como o União e o próprio MDB, ao apoiar o candidato Zé Maria Tapajós (MDB).

Biga foi consultado pelo partido e disse que gostaria de apoiar o lançamento da ex-prefeita Maria do Carmo, mas o comando do partido optou pela aliança. “Eu acho que – não diria a coisa certa – mas eles fizeram o que eles acham que é melhor pra um futuro do partido. Infelizmente, não adianta a gente querer que ela venha candidata e, depois, perder. Eu não tenho a experiência política que eles [do partido] têm, de anos. Então eu respeito muito o posicionamento dos mais experientes. E explicaram a situação de que, às vezes, é melhor a gente dar um passo ou parar um passo pra depois dar dois passos pra frente.”

Fonte: Pública Fotos internas acompanham matéria

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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