Analfabeto

DIREITO DO ANALFABETO

Direito do Analfabeto

“Peço perdão, ixcelença;
peço mais, peço cremença
no jurgamento que eu fiz…
E se não for por esmola,
manda os meus fios pra escola,
conserta este país.”

Por Antônio Victor

Tarvez eu esteja errado,
porque sempre eu fui tapado,
num sei nem escrever.
Mas na minha inguinorança,
que nada vê, nada arcança,
eu queria compreendê

esses senhores de lorde,
que pra eles tudo pode,
que de ninguém sente dó.
Me exprica, ‘sinhozinho’,
para esse pequeninho
que não sabe nem o ó.

Como é que dois humano
quando comete um engano,
um crime contra ũa gente;
como é que duas pessoa,
paus de uma mesma canoa,
são tratados diferente?

Já no tribunal do júri,
– e que ninguém esconjure,
que isso ocorre toda a vida –
tarvez porque não enxerga,
faz a Justiça, que é cega,
dois peso, duas medida.

Vão lá dois adevogado,
nas palavra apreparado
pra acusar e defender…
E, quase sempre, coitada,
a verdade, martratada,
vê a mentira vencer.

E o resurtado que eu vejo
não é, nunca, o que eu desejo,
não é o que me norteia.
E encontro a vergonha nua,
vejo o bandido na rua,
e o inocente na cadeia.

E o juiz bate o martelo,
tantas vez veno o fragelo
a um parmo dos olhos seus…
cumpre a lei, que é tão segura,
mas porém lá nas artura
tem ôto Juiz, que é Deus.

Descurpa, dotor, meus modo,
se ao senhor eu incomodo
co’ essa minha ingnorança.
É que essas coisa me amola
e tomém num tive escola
nem nos tempo de criança.

E se a lei condena um rico,
mais pensativo inda eu fico
por compreender tão mal;
vem da lei ôto sintoma,
que se ele tem diproma,
tem prisão especial.

E inda tem ôtos mais lorde,
que num sabe o que é bigode,
que compra ou se vende ao rei;
e nas leis que eles escreve,
e só pra eles mesmo serve,
a imunidade é lei.

E nas lei da impunidade,
que corrompe a sociedade
que dizem representar;
vão perdeno honra e lisura,
vão cavano sepurtura
para os mais humirde usar.

No meu pensamento estranho,
pra esses crimes tamanho
-tomém num sei se é correto-
Se tem de ter privilégio,
num é pra quem tem colégio,
mas tarvez pro anarfabeto,

pois se ele cometeu crime
-não tem nada que o arrime,
mas um fato não se nega-
não foi por descompostura,
foi por farta de cultura,
foi porque vive nas treva;

foi porque já vive escravo
de um tempo triste e tão bravo,
onde ninguém dá socorro;
porque o pobre é humilhado,
e ao nascer foi condenado
a ter vida de cachorro.

Descurpa, dotor, descurpa!
Deve ser minha essa curpa Analfabeto
de num ter compreensão
dessas lei que o home traça
e que só semeia desgraça Analfabeto
em vez de ser sarvação.

Peço perdão, ixcelença;
peço mais, peço cremença
no jurgamento que eu fiz…
E se não for por esmola,
manda os meus fios pra escola,
conserta este país.

Fonte: Youtube e Arquivo pessoal do Autor 

Antonio Victor é o maior e mais conhecido poeta da cidade de Formosa-Goiás. Nasceu em 29 de outubro de 1958. Cultiva a  arte dos versos e da prosa, preferencialmente em pequenos contos nos quais trabalha o regionalismo e a temática urbana. Aventura-se às vezes em temas universais e procura dar um toque de humor às suas histórias, sempre despretensiosas. Analfabet

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(Foto: Agência Brasil)

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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