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DOM QUIXOTE E SANCHO PANÇA: UM EXERCÍCIO DE LOUVOR À AMIZADE

Dom Quixote e Sancho Pança: um exercício de louvor à amizade
Relação entre os personagens da obra de Miguel de Cervantes é analisada em artigo da professora Maria Augusta da Costa Vieira/USP

DOM QUIXOTE E SANCHO PANÇA: UM EXERCÍCIO DE LOUVOR À AMIZADE
O artigo também faz uma análise da biografia e formação intelectual de Cervantes, assim como uma reflexão em torno de sua obra – Foto: Pixabay
A revista e traz artigo da professora Augusta Vieira sobre Dom Quixote de La Mancha, também conhecido como “o cavaleiro da triste figura”-  personagem principal da obra homônima de Miguel de Cervantes – e a complexa relação de amizade e aprendizado entre ele e Sancho Pança, cavaleiro e seu escudeiro. Segundo a autora, essa amizade “pode ser entendida como um exercício de louvor à amizade, algo tão valorizado em toda a obra cervantina”.

Paralelamente, o artigo põe em pauta referências sobre os primeiros estudos sobre a possível formação intelectual de Cervantes, informações sobre sua biografia e alguns dos princípios poéticos vigentes na época, norteadores de sua narrativa.  Se a imaginação permeia toda a narrativa, a reflexão crítica caminha junto, “ou seja, por meio da leitura da obra, o leitor usufrui não apenas do que se narra, mas também de como se narra”.

 

Em relação à biografia de Cervantes e suas próprias orientações sobre seus escritos, a autora diz que não há declarações explícitas a respeito. Até seu retrato, estampado em várias edições de sua obra, talvez não represente o semblante verdadeiro do escritor espanhol. A certeza que se tem, para a professora Maria Augusta, é a facilidade de Cervantes em criar “laços de extrema simpatia que estabelece com seu leitor, convertendo sua escritura em momentos primorosos de reflexão e entretenimento”, que nos toca até hoje.

O artigo mostra o autor de Dom Quixote preocupado com uma escrita pautada na naturalidade no estilo e que, aos poucos, sem rebuscamentos artificiais, descortina em cena elementos essenciais. São eles a palavra, a falada, a língua escrita e as tramas amalgamadas por meio de um “longo diálogo entre o cavaleiro e seu escudeiro, entre o letrado e o analfabeto”, em que “tudo se inicia pela leitura e pela construção de uma personagem que, mais do que nada, é vítima de suas próprias leituras”.
Na obra, os múltiplos usos da linguagem, convertidos no fazer poético, são objeto de diálogos e discussões das personagens, em que também a da narrativa se torna um tema, chamando a atenção do leitor, não apenas sobre “o que se narra, mas também sobre o modo de narrar”, ou seja, ”o que hoje poderíamos entender como sendo um diálogo entre verdade poética e verdade histórica”, explica a autora.

DOM QUIXOTE E SANCHO PANÇA: UM EXERCÍCIO DE LOUVOR À AMIZADE
Capa da primeira edição de Dom Quixote – Foto: Wikimedia Commons

Apesar das divergências, Dom Quixote e Sancho Pança se respeitam e admiram-se mutuamente: se encontramos no as loucuras do cavaleiro, também encontramos “as situações mais admiráveis”; se encontramos as previsíveis prudências de Sancho.
Também encontramos “as mais verossímeis” – sobretudo, há, na , momentos impagáveis de amizade, ensinamento e de convivência entre as duas personagens. Sancho desiste de convencer seu cavaleiro de que “moinhos não são gigantes, carneiros não são exércitos, estalagens não são castelos”.
Mas no decorrer da trama, Sancho, um lavrador rústico, vai ganhando autoconfiança “e fica mais senhor de sua ação”, sendo capaz de inventar para seu amo o inquietante relato sobre o encantamento de Dulcinéia, a amada do cavaleiro, que, de uma “dama etérea” se apresenta como “uma rústica lavradora”.
Por sua vez, Quixote se preocupa com a formação de seu escudeiro quanto ao modo de “agir, de pensar e sobretudo no que se refere a seu modo de falar”.
Sancho a cada momento se mostra mais preparado para enfrentar as agruras da de escudeiro de um cavaleiro andante muito singular” que, no final das contas, proporciona-lhe uma vida muito animada e alegre.
Um dos momentos em que a amizade entre ambos se evidencia é quando Sancho, em um diálogo com uma senhora aristocrata – a duquesa – manifesta sua total fidelidade a Dom Quixote, mesmo que isso ponha em risco o tão almejado governo de uma ilha, algo que ele sempre desejou.
Essa relação de amizade, fiel e sincera, aparentemente inviável, entre um intelectual e um analfabeto, constitui, na realidade, o eixo a partir do qual surge uma série de aventuras, diálogos e conversações entretidas, indagações sobre a escrita, sobre diferentes gêneros literários, sobre a própria obra, sobre o que vem a ser verdade poética e verdade histórica, construindo, assim, uma narrativa complexa e surpreendente, em que realidade e sonho se mesclam tão perfeitamente, assim como a arte se integra na vida.
Maria Augusta da Costa Vieira – Professora titular de Literatura Espanhola do Departamento de Letras Modernas (FFLCH-USP), pesquisadora do CNPq e detentora do “Prêmio Jabuti”, em 2013, pela publicação de A narrativa engenhosa de Miguel de Cervantes: estudos cervantinos e recepção do Quixote no . mavieira@usp.br.  Margareth Artur / Portal de Revistas USP. Matéria extraída do Facebook de Thâmar de Castro Dias. Imagem de capa: deolhonotexto

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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