EL MALECÓN, poética trincheira!

EL MALECÓN, poética trincheira!

El Malecón, esplanada de concreto construída entre 1901 e 1958 ao longo de oito quilômetros entre o porto de Havana e o festejado bairro Vedado. Contenção das águas nervosas do Caribe, a secular trincheira simboliza resistência – o lugar romântico, histórico e charmoso da bela cidade.

Por Antenor Pinheiro, especial de Havana, Cuba

“… quero respirar Havana,

recuperar o mistério de minha vida.

Ver as luzes e a maresia do malecón

bicando as pedras do calçadão…”

(Magali Alabau, 1945)

Hoje fito El Malecón mais que a uma bela imagem! Os cristais de suas águas soltos no ar são a cortesia revoltosa de ventos caribenhos a lhe impor o beijo de ondas velozes na face de sua beirada maciça. Erigida por mãos humanas para que contida fosse a volúpia crescente de rugas de águas formadas ao longe, conduzidas por febris correntes marítimas contra suas beiradas, el malecón tornou-se moldura da natureza. Sua cumplicidade com o romance e as lutas de seu povo fez-se “lugar”, irradia afeto, poesia e sentimento de heroica resistência. E quando a lua se aproxima, soerguem as marés próximas de suas franjas rumo ao céu, ainda que não lhe furte a alagadora umidade de gotículas voadoras lindamente excitadas – agora o sei!

Antenor Pinheiro – Geógrafo. Membro do Conselho Editorial da Revista Xapuri. Foto: Divulgação.

 

 

 

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Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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