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Fake news continuam mesmo passadas as eleições

As eleições já foram, mas a ameaça das fake news continua

é o país que mais acredita em informações falsas; 89,77% dos eleitores de Bolsonaro caíram nelas nessas

Por Júlia Dolce
O papel das  (notícias falsas, em inglês) na disputa que elegeu Jair Bolsonaro (PSL) presidente no último dia 28 de outubro foi amplamente denunciado ao redor do mundo.

Apesar da preocupação com o combate às fake news ter rondado organizações e especialistas desde o começo do ano, motivando a criação de uma comissão especial no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma rede profissional de disseminação massiva de conteúdo mentiroso contra o Partido dos Trabalhadores (PT) foi descoberta nas últimas semanas e colocou o assunto no centro das eleições.

Com o fim do pleito, especialistas alertam: o processo de viralização de boatos continuará atrapalhando a democracia brasileira.

O Brasil é o país mais propenso do mundo a acreditar em uma informação falsa, de acordo com a pesquisa Global Advisor: Fake News, Filter Bubbles, Post Truth and Trust (Consultor Global: notícias falsas, bolhas de filtros, pós-verdade e confiança), do Instituto Ipsos, realizada com entrevistados de 27 países. Segundo o , 62% dos brasileiros afirma já ter acreditado em uma notícia falsa.

O principal método de disseminação de fake news nessas eleições foi o aplicativo Whatsapp. Os grupos pró-Bolsonaro continuam ativos, veiculando boatos, além de outras campanhas, como o estímulo ao “ Sem Partido”. Uma reportagem veiculada na sexta-feira (2) pela Revista Época alerta que os grupos pretendem continuar fortes para as eleições municipais de 2020.

Segundo Sérgio Amadeu, sociólogo e da Universidade Federal do ABC (UFABC), há um risco grande de a desinformação ter continuidade após o processo eleitoral, como aconteceu nos Estados Unidos após a eleição de Donald Trump. O professor afirma que, para além de meios jurídicos e tecnológicos para combater as fake news, a sociedade brasileira precisa de uma mudança estrutural em sua postura democrática.

“A estratégia de alguns grupos que participaram dessa campanha de desinformação é continuar com o de desorientação, de transformação de opiniões em fatos, acentuando desinformação. Me parece que se isso for útil para grupos poderosos isso será aplicado. Como transformar isso em algo não socialmente aceitável? Com uma sociedade que vai reagir a isso. Se aqueles que distribuem essa desinformação em massa passarem a ser criticados, considerados pessoas de comportamento inconveniente, antiético, reduziremos seu peso como estratégia válida”, afirmou.

Dados levantados a pedido da plataforma Avaaz e divulgados no final de outubro mostram que 98,21% dos eleitores de Bolsonaro entrevistados foram expostos a uma ou mais notícias falsas, e 89,77% acreditaram que eram embasadas em verdade. Desses, 84% acreditaram no boato do “kit gay”, e outros 74% acreditaram na ideia de que as urnas eletrônicas são fraudadas.

Para Márcio Moretto, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Monitor do Debate Político no Meio Digital, a disseminação em massa de notícias falsas no Brasil teve início após 2013, com a “formação de um grande campo antipetista”, que fez uso, principalmente, do Facebook para compartilhar boatos e hoje está “marcada como a direita”.

“Nos períodos eleitorais isso fica mais intenso, e, principalmente, ganha mais capilaridade. Com ele [Bolsonaro] assumindo a presidência, é uma incógnita. De alguma forma, ele pode tentar usar desses canais alternativos como forma de disputar os discursos da esfera pública. Não sabemos se isso vai acontecer, mas seria bem nocivo, porque a disputa política na rede social é muito polarizada, divide a esfera pública em dois grandes grupos com pouca intersecção entre si. Então, um governo que use um desses polos como interlocutor privilegiado, falará só com uma parte da sociedade, desprezando um pedaço importante do debate político”, afirmou.

Na opinião de Marcos, o hiper-engajamento e polarização da sociedade tem como consequência a desinformação e não o contrário, como geralmente se pensa. Ele destaca que as redes sociais vem tomando algumas medidas para barrar as fake news, mas ainda são insuficientes. Ele explica que o Whatsapp, apesar de ter incorporado a chamada “criptografia de ponta-a-ponta”, protegendo usuários, também implementou funcionalidades que permitem a transmissão em massa de conteúdo.

“Essas funcionalidades facilitam a disseminação de desinformação ao mesmo em que não tem nenhum tipo de possibilidade de auditoria, porque a comunicação é criptografada. Então, é um lugar delicado. A gente deveria ter meios de pressionar que as ferramentas ou sejam de comunicação pública, como de certas formas são outras redes em que há uma arena pública para receber o contraditório, ou uma rede privada, em que não há funcionalidades para comunicação em massa. Essa mistura em que o Whatsapp ficou é muito nociva para o debate público”, completou.

Na semana passada, a Organização dos Estados Americanos (OEA) afirmou que o fenômeno de uso massivo de Fake News para manipular o voto dos brasileiros “talvez não tenha precedentes”. O Whatsapp é usado por 120 milhões de brasileiros, mais de 50% da população.

Fonte: Brasil de Fato


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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