FÁTIMA CARVALHO: A VIAJEIRA DE BELÁGUA

Fátima Maria Carvalho:  A viajeira de Belágua

Todo santo dia, Fátima Carvalho enfrenta água e areia para visitar os projetos do Movimento Solidário nas comunidades do interior de Belágua. É ela, junto com seu parceiro Domingos de Barros de Souza, conhecido como Domingos Cosmo, quem cuida do dia a dia do programa no Maranhão.

Por Zezé Weiss

Assistente Social por experiência e prática, curso superior incompleto – porque a faculdade fechou e a deixou sem o diploma –, é Fátima quem cuida do acompanhamento cotidiano dos projetos – da formação de lideranças às compras e prestação de contas, à busca de parcerias, à resolução de conflitos, às soluções diárias dos pequenos problemas que sempre surgem.

Nascida no Preazinho, uma das comunidades mais isoladas e mais distantes, Fátima segue sempre por ali, presente, mas por obra do bom destino a líder comunitária, admirada e respeitada entre os seus, é hoje um ponto fora da curva no ambiente da pacata e conformada da mulher sertaneja dos campos alagados de Belágua.

Contrariando o costume da comunidade “que é da ter muitos filhos, ter a quantidade de filhos que Deus dá”, Fátima só teve dois: uma menina, Tamiles, hoje com 19, e um menino, Douglas Davi, oito anos. Contrariando a do casamento precoce, antes dos 15, o primeiro casamento, arranjado pela família, foi depois dos 20, “para fugir do preconceito” e, por incompatibilidades mútuas, só durou dois anos.

Criada pelo avô sindicalista, Severiano, do berço aos cinco anos de idade, foi uma menina mimada, no estilo da roça: “Do plantio da roça às reuniões do sindicato, onde meu avô ia, eu ia com ele”, lembra Fátima que, depois da morte do avô, voltou pra casa dos pais e se irmanou mais com os meninos.

Na , fora do tempo de escola, Fátima pegava firme com os irmãos nas capinas da roça, nas caçadas pelos campos, nas peladas de , nas rodas de piada… tudo menos usar “saia-baixa”, se conformar com o casamento  e esperar pela penca de filhos, como suas irmãs e primas.

Por conta disso, sofri muito bullying, muita gente na comunidade me chamava de macho-fêmea, mas foi mesmo pra não deixar os estudos que aos doze anos fui pra cidade de Urbano Santos, pra morar na casa de um padre que sempre me respeitou e tinha a esperança de fazer de mim uma freira.”

Na cidade, findas as aulas, Fátima “ia sozinha pra comunidade, caminhando a pé por mais de cinco horas. Depois, no domingo, enfrentava outras cinco horas de volta, chegava de noitão pra ter aula na segunda-feira”. Pra resolver o problema, o padre a transferiu para um convento em São Luís, “exílio” que durou até o dia em que comunicou ao protetor seu completo desinteresse pela vida monástica.

De volta, a Pastoral da a contratou como alfabetizadora de adultos, a um soldo de R$ 80 por mês, “pra mim era um dinheirão naquela época”.  Depois, trabalhou por 12 anos com a AmaVida, ONG parceira da Federal do Maranhão, no das abelhas sem ferrão; por quatro, foi secretária de meio ambiente de Belágua e, desde 2017, tornou-se consultora do Movimento Solidário em Belágua.

Casada há mais de dez anos com Domingos, sua paixão desde a adolescência, Fátima viajou pelo , promovendo o mel puro de Belágua; comprou, com o dinheiro das diárias, uma casinha simples, de taipa, com chão de barro, em Urbano Santos, que foi ajeitando aos poucos; e, no Movimento Solidário, tornou-se responsável pelos projetos das 27 comunidades atendidas pelo programa da Fenae.

Assim, essa viajeira da esperança, vai pela vida tecendo sonhos e organizando lutas entre as comunidades da zona rural de Belágua.

 
 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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