Hipátia – a primeira famosa a ser queimada. Era uma bruxa?
Os homens sempre tiveram medo das mulheres que voam, seja nas vassouras ou nas ações e pensamentos
Iêda Vilas-Boas e Reinaldo Bueno Filho
Hipátia não era bruxa, mas detinha o conhecimento da ciência, de fórmulas, e por possuir inteligência maior que a maioria dos homens de seu tempo, foi acusada de feitiçaria e brutalmente morta.
Hipátia sofreu intensa violência por parte de um grupo de cristãos desvairados e repletos de ódio. Em ato repugnante e insano, levaram-na para o interior de uma igreja e extraíram sua pele com conchas, depois a cortaram em pedaços e atearam fogo aos seus restos mortais. Ela é considerada como a primeira mulher famosa a ser perseguida por bruxaria pelos cristãos.
O ano era 415 d.C. Hipátia foi vítima de um surto de intolerância contra mulheres, motivado pela vingança e pela inveja. Ela, entretanto, segue imortalizada para além do tempo e das crenças, como pesquisadora, cientista, professora e exemplo de mulher forte.
Era filósofa na antiga Alexandria. Tinha imenso conhecimento de astronomia, matemática e filosofia. Nasceu na mesma cidade que a matou: Alexandria. Seu ano de nascimento é datado de cerca de 355 d.C. Naquele tempo a cidade era um centro cultural da região que hoje corresponde ao Egito. Ela era filha de Theon, famoso filósofo, astrônomo e mestre de matemática no Museu daquela cidade.
Seu pai teve papel muito importante em sua formação. A jovem Hipátia se destacou bem cedo naquele cenário intelectual. Os estreitos vínculos com a figura paterna tornaram-na confiante em busca de sua curiosidade, do saber e de sua incessante procura de soluções para os eventos e assuntos inexplicados.
Hipátia filiou-se à corrente neoplatônica e desbravou os árduos caminhos da Matemática. A filósofa possuía um cérebro privilegiado e se tornou a maior pesquisadora da Alexandria nos campos da matemática e da filosofia, legando ao futuro grandes descobertas nessas disciplinas, bem como na física e na astronomia. Ela se devotou igualmente à prática da poética e ao exercício das artes, sobressaindo-se na Retórica.
Como pesquisadora, incomodou personalidades importantes e credos. Era categorizada como pagã, pois se entendia com o Cosmos e sabia muito sobre ele.
Defendia o racionalismo científico, a matemática, a astrologia e, por todo o seu conhecimento. que amedrontava aos comuns e ameaçava aos grandes, foi acusada de blasfêmia e de sentimentos anticristãos.
Hipátia dava aulas para pessoas de diversas crenças religiosas, nunca declarou ser anticristã. Entretanto, tomou para si a ira e inveja de Cirilo, um cristão aficionado que destilou seu ódio contra aquela guerreira.
A Hipátia pesquisadora auxiliava cientistas perdidos na resolução de seus problemas e desafiava a sociedade por não se casar: ela se considerava em núpcias com a busca da verdade.
Hipátia era reconhecida e admirada também por seus discursos sobre Platão e Aristóteles. A ela é atribuída a construção de um astrolábio – instrumento que ajudava a estudar os astros –, de um hidrômetro e um higroscópico, para absorver a umidade.
O iluminista Voltaire ressaltou a respeito de Hipátia: “foi assassinada porque acreditava nos deuses helênicos, nas leis racionais da natureza e na capacidade da mente humana se ver livre de dogmas”.
Hipátia era uma mulher. E influente. E respeitada. Era considerada uma ameaça, mas, não mais. Então, a mando de Cirilo, um grupo de fervorosos até demais cristãos fez barreira à carruagem de Hipátia, arrancaram-na à força de seu veículo e caminho e a levaram, arrastando a mulher pelo chão, até uma igreja próxima; lá ela foi despida de suas vestes, do que sobrou delas.
Foi julgada e condenada, sem direito a defesa ou clemência. Com pouco mais de 60 anos, a mulher brilhante findou-se em uma fogueira de fogo-santo-inquisidor. A primeira “bruxa” a ser queimada. A primeira de tantas que já foram e que talvez ainda venham a ser.
Mas o que toca em sua história não é o fogo cristão, mas o fogo do conhecimento, da sabedoria, e do poder que detinha – por isso era uma ameaça. O conhecimento sempre é.
Salve, Hipátia!
Iêda Vilas-Bôas – Escritora.
Reinaldo Filho Bueno – Escritor.