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1ª greve geral foi há mais de 100 anos, em 1917, e durou 30 dias

1ª greve geral foi há mais de 100 anos, em 1917, e durou 30 dias

A demanda era, entre outras coisas, por aumento de salários e redução das jornadas de trabalho, que até então não eram garantidos por lei. Em algumas semanas, a greve se espalharia por diversos setores da economia, por todo o de São Paulo e, em seguida, para o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Era a primeira “greve geral” no país.

Mas uma das principais diferenças entre aquela e a greve geral convocada para esta próxima, chamada para o dia 14 de junho, em protesto contra os cortes na e a Reforma da Previdência, é que, em 1917, ela não foi anunciada como tal, disse à BBC Brasil o historiador Claudio Batalha, da Unicamp.

“Não é uma greve que já tivesse bandeiras gerais. Ela começa com questões específicas dos setores que vão aderindo ao movimento grevista, alguns por solidariedade. Depois é que a pauta passou a incluir desde reivindicações relacionadas ao trabalho até reivindicações de cunho político – libertação dos presos do movimento, por exemplo.”

Uma destas questões específicas, menos comentada nos livros de história, era o assédio sexual. Segundo Batalha, parte da revolta das funcionárias do Cotonifício Crespi era o assédio que sofriam dos chamados contramestres, funcionários que supervisionavam o chão de fábrica.

“Isso não era incomum na época. Greves anteriores já haviam começado contra determinado funcionário que tivesse um cargo de chefia e tirasse proveito desse poder”, explica.

Crescimento

Mas se a convocação de 2019 reflete a insegurança causada pelo desemprego e pela recessão, em 1917, a indústria brasileira ia de vento em popa. Na verdade, os lucros das empresas chegavam a duplicar a cada ano.

“Entre 1914 e 1917, com a Primeira Guerra Mundial, se passou de uma recessão econômica a um superemprego, porque os produtos brasileiros passaram a substituir os importados e a serem exportados”, explica o historiador italiano radicado no Brasil Luigi Biondi, da Unifesp. “Em 1914, o Cotonifício Crespi lucrou 196 contos de réis. No ano seguinte, o lucro foi de 350 contos de réis. E foi aumentando. Enquanto isso, aumentavam as horas de trabalho.”

Com o aumento da produção, as fábricas brasileiras, que tinham poucas máquinas, vindas do exterior, tiveram que usá-las por mais . Isso significava que os operários passaram a trabalhar até 16 horas por dia, sem aumento de salário. De acordo com Biondi, a insatisfação das se explica também pelo fato de que elas acompanhavam mais de perto a perda de poder aquisitivo dos .

“Além de também serem operárias, porque naquele momento havia muito emprego para elas na indústria têxtil, elas também controlavam os gastos das famílias. Então viam o aumento acelerado da inflação dos produtos.”

No final de junho, a paralisação dos operários do Crespi contagiou os 1.500 operários da fábrica têxtil Ipiranga. Em seguida, se espalhou pela indústria de móveis, concentrada no Brás, e chegou até a fábrica de bebidas da Antarctica.

“Em julho, a greve parou a cidade (São Paulo). Havia embates de rua e tentativa de saques aos moinhos que produziam farinha por causa da crise de abastecimento. Muitos foram mortos e feridos nos confrontos com a polícia”, diz Biondi.

O movimento ganhou mais fôlego no dia 11 de julho, quando milhares acompanharam o enterro do sapateiro espanhol José Martinez, de 21 anos.

Ele morreu com um tiro no estômago depois que uma unidade de cavalaria da polícia dispersou manifestantes que quebraram barris de cerveja diante da fábrica da Antartica, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, que noticiou o confronto.

“A partir daí, a greve se alastrou para quase todas as cidades do interior de São Paulo. Campinas, Piracicaba, Santos, Sorocaba, Ribeirão Preto. Até Poços de Caldas, no sul de Minas, que não era uma cidade industrial, teve movimentos de greve”, afirma o historiador.

Negociação

Em 16 de julho – mais de um mês após o início da paralisação no Cotonifício Crespi – um acordo entre autoridades, organizações trabalhistas e industriais, mediado por jornalistas, pôs fim à greve em São Paulo. Mais ainda não era o fim da greve geral.

“Só em São Paulo a greve de fato terminou com uma negociação única. No Rio e em Porto Alegre, os movimentos tiveram dimensões gerais, mas só terminaram na medida em que cada setor chegava a um acordo com seu patronato. O ritmo de saída da greve foi aos poucos, assim como a adesão”, explica Batalha.

Segundo Biondi, até mesmo na cidade de São Paulo ainda havia categorias entrando em greve no dia 18 de julho, como os pedreiros. Parte dos empresários se recusava a assinar os acordos e queria negociar condições diretamente com os funcionários.

Mesmo com a assinatura dos acordos, a consolidação dos direitos só viria em 1943, durante o regime de Getúlio Vargas.

“O que acontecia muitas vezes na época é que algo era obtido com uma greve, passava-se algum tempo e essa reivindicação voltava para nada”, diz Claudio Batalha.

“Em 1907, também houve uma série de greves pedindo a jornada de trabalho de oito horas. E elas chegaram a diminuir, mas, depois de algum tempo, o patronato voltou a estabelecer as jornadas anteriores. O mesmo ocorreu após 1917.”

A experiência da primeira greve geral também fez com que os empresários se preparassem para enfrentar futuras paralisações – o que tornou novas negociações mais difíceis para os trabalhadores.

“Uma das coisas que levou ao sucesso relativo da greve em 1917 é que as fábricas não tinham estoques. Quando os operários paravam, não havia produtos nas lojas. A partir daí, eles passaram a ter grandes estoques, e podiam permanecer sem funcionar um certo período porque tinham produção para vender.”

Batalha lembra, no entanto, que o acordo só surgiu depois que “a greve atingiu dimensões tais que não tinha mais como controlar o movimento”.

“A primeira tentativa de lidar com a greve foi de . Essa era a tônica do período, tanto que houve . Parte do processo de ampliação da greve, inclusive, se deveu a essas mortes.”

Ideologia

Em fevereiro de 1917, meses antes da greve brasileira, mulheres que trabalhavam na indústria têxtil deram início a protestos e a uma paralisação que teria consequências ainda maiores do outro lado do mundo: a Revolução Russa.

Os protestos começaram contra a escassez de alimentos no país e rapidamente ganharam a adesão de outros trabalhadores e a simpatia das forças de . Ao fim de uma semana, a monarquia russa chegava ao fim, abrindo caminho para a revolução comunista, no fim daquele ano.

“Essa greve também é importante porque mostra a conexão do Brasil com o resto do mundo. Naquele ano, greves como aquela ocorreram em diversos países”, diz Luigi Biondi. Ideologias como o anarquismo e o marxista, que chegaram a São Paulo principalmente pelos imigrantes italianos, tiveram um papel importante na organização do movimento.

“Por causa da Rússia, eles tinham a ideia de que aquilo poderia levar a uma insurreição dos trabalhadores. Isso não ocorreu, mas a cidade foi tomada. Pela primeira vez isso espantou as elites do país, que começaram a se dar conta de que a questão social urbana era grave e tinha que ser considerada.” Batalha acha que as correntes socialistas “tinham certa liderança”, mas que sua influência era maior sobre trabalhadores qualificados.

“O que faz com que uma greve funcione é que as pessoas sintam que aquele estado de coisas chegou ao limite. Uma das características importantes de 1917 é que, pela primeira vez, setores que não participavam desse tipo de movimento começaram a participar.”

Trabalhadores no Cotonifício Crespi, na Mooca, São Paulo, em 1917

Em junho de 1917, décadas antes da consolidação das leis trabalhistas no Brasil, cerca de 400 operários – em sua maioria mulheres – da fábrica têxtil Cotonifício Crespi na Mooca, em São Paulo, paralisaram suas atividades.


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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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