KEREPIYUIA, KERPIYUA, KERPI-MANHA: A MÃE DO SONHO
A mãe, a origem do Sonho. Para os Tupis* é uma velha que desce do céu, mandada por Tupana, e que entra no coração das pessoas, enquanto a alma vai por este mundo afora, para voltar quando acordam.
Por Ermano de Stradelli
Então a alma, de volta, encontra no coração o recado de Tupana, que a velha deixou, esquecendo tudo quanto viu durante a vadiação.
Como, porém, nem sempre Tupana manda recados, e a alma, quando volta, relembra muitas vezes, senão sempre, o que viu no tempo em que estava fora, temos duas espécies de sonho: uns, que representam a vontade de Tupana, e que o Tapuio acata e cumpre, procurando conformar-se com a vontade neles expressa como avisos divinos; e outros, que nada são e nada valem. A dificuldade está em distinguir uns dos outros, ofício que pertence aos pajés, embora eles nem sempre acertem.
As tribos Banivas, Manaus, Tarianas, Barés etc. afirmam que quem desce do céu não é uma velha, mas uma moça sem pernas, que os Banivas chamam Anabaneri, e que desce de preferência percorrendo o caminho do arco-íris, pelo que os sonhos mandados por Tupana são os que ocorrem de dia. Para os Tupis, ao contrário, são os da madrugada, quando a velha descia nos últimos raios das estrelas.
Interpretar os sonhos, tendo-os como mensagens divinas, foi profissão sacerdotal por toda a Antiguidade, no Oriente e Ocidente, em todas as civilizações e épocas. A bibliografia popular é vasta e não há cidade do mundo sem especialistas e técnicos na ciência de explicar as imagens coerentes ou arbitrárias que passaram durante o sono.
Ermano de Stradelli (1852–1926) – Folclorista, autor do Vocabulário da Língua Geral, em Antologia do Folclore Brasileiro, Vol. 2. Luís da Câmara Cascudo, Editora Global, 2002. Obra: Élon Brasil (2008)
Nota da revisão: * Tupis – foi mantida a grafia do autor, vigente à época.