Os Espíritos da Mata

Os Espíritos da Mata

Trevo Ribeiro

Depois de tu ter feito um trato
Com quem tava no trono da ditadura

Tratou à base de trator e tortura

Os espíritos da mata

A expressão da cultura

As pessoas e nossa vasta

Enterrados sem perdão na sepultura

Teu porte de arma

Deixa milhares de almas sem aporte

Não faz parte da minha calma

Ver você matar o norte

Dou um giro,

Respiro fundo,

Bato palma

Para que os espíritos da floresta

Caiam todos de testa na tua

E que em uma noite indigesta

Venha um vento frio, feito um corte,

Junto a um estranho assobio
de uma fina fresta e fale:

”Tu achou ‘mermo’ que nós não ia cobrar aquelas ?”

Aí tu sente um corte no peito

Que nem o mais forte dos sujeitos aguenta

Sabe quem é?

É Matinta Pereira!

Ela tá dizendo que vem buscar o tabaco na próxima sexta-feira

Quando ela, no formato de velha aparece,

Teu padece, tua perna chacoalha

Um pássaro agourento, chamado rasga-mortalha,

Te deixa ao relento, pelo teu imperdoável esquecimento…

”Aiiiii, Deus me valha!”

Isso…

Clama pelo teu

Porque na mata, quem grita de volta é

Monstro peludo

Com olho na testa e boca no umbigo

Monstro macetudo

Sem tempo pra festa

Não é teu amigo

O sopro do bucho do Mapinguari

Dilata o aço

E deixa em estilhaço a tua espingarda

Aí tu te arrepende de tudo destruir

Sem ter pra onde ir, tua cabeça é arrancada

De madrugada,

Nas águas de um rio qualquer

A te faz de bobo

O boto te faz de mané

Te leva pro fundo do rio

Nas águas de um Igarapé
Esse rio é minha rua
Se a rua é nós

O rio é nós

Aqui, tu não faz o que bem quer

Quer queira, quer não
Um terço daquilo que tu fez já era motivo de maldição

Pega o terço, vai…
Reza, chorando, olhando pra cima

Tu não queria consumir a mata?

Agora quem te consome é o de Macunaíma

Lá de cima,

lá de cima se anuncia a queda do céu

Queda essa que conhece a nossa luta

Não argumenta

Senta que tu é réu

Sem advogado,

O teu gado é tua culpa

A juíza é a

Fake news de mito nunca foi

E o veredicto tá aqui nesse papel!

Pois é…

Na real, tu nunca produziu nada

Tu matou e explorou foi muita gente em larga escala

Escuta só…

Repara…

(Assobios da mata)

É o sopro do Uirapuru

Com a fumaça da Caipora

Que vai fazer nos tormentos do agora

Porque assim como a rua

A MATA COBRA!!!

Trevo Ribeiro – Poeta acreano

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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