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WILSON PINHEIRO, CHICO MENDES E A CONVIVÊNCIA COM A FLORESTA

WILSON PINHEIRO, CHICO MENDES E A CONVIVÊNCIA COM A FLORESTA

Wilson Pinheiro, Chico Mendes e a convivência com a Floresta Amazônica

A emergência do campesinato como agente social e político autônomo, ao início da década de 1960, foi vista como uma ameaça à continuidade do poder político da classe dominante, especialmente pelos latifundiários e pela crescente burguesia agrícola

Por Gilney Viana

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Wilson Pinheiro. Foto: divulgação.

Superestimar essa ameaça, caracterizando o movimento dos camponeses e trabalhadores rurais por reforma agrária, direitos trabalhistas e previdenciários como uma articulação comunista, foi uma das mais importantes motivações para o golpe de estado de 1º de abril de 1964. 

E a sua redução a uma força social subalterna e politicamente dependente se tornou um objetivo estratégico do estado ditatorial. Assim como rebaixar o padrão da luta de classe a um patamar de baixa intensidade, que facilitasse um novo padrão de acumulação do capital e um novo ciclo de crescimento econômico, hegemonizado pelo capital internacional. 

Reorganizar o Estado para executar esse estratégico exigiu não apenas reprimir as classes trabalhadoras, prender, assassinar, perseguir, exilar suas lideranças e desestruturar suas organizações; no caso dos sindicatos, colocá-los sob intervenção e, depois, sob monitoramento ideológico e político. Exigiu também excluir da vida política parte da classe dominante alinhada com o projeto nacional desenvolvimentista e seus sonhos de autonomia relativa frente ao centro hegemônico capitalista internacional. 

E, no processo, concentrar poder nas mãos dos generais em detrimento das lideranças civis golpistas: em 1965, após derrota parcial nas eleições para governadores (Guanabara e ); e generalizar a repressão, ao final de 1968, após desmoralização imposta pelas greves operárias (Contagem, Osasco) e de trabalhadores rurais (Cabo, PE) e pelas manifestações estudantis e populares.

Esgotado o ciclo de crescimento econômico e a eficácia da repressão generalizada, o regime perdeu sustentação externa e interna, inclusive entre segmentos da classe dominante, sendo obrigado a organizar sua retirada com os atos de 1977, que lhes garantiram artificialmente maioria no colégio eleitoral que elegeria o último ditador (1979–1985).

Exatamente nesse período, segunda metade da década de 1970, após longos anos de acúmulo de forças, a classe trabalhadora vai se recolocar no cenário social e político; nas cidades, vai explodir em grandes greves do ABC paulista, anunciando o novo sindicalismo; e, no campo, vai ressurgir o movimento camponês e de trabalhadores rurais, enfrentando a repressão estatal e empresarial, porque se negavam a reconhecê-los como sujeitos de direito. Dentre esses trabalhadores, os do Acre, que aportarão uma contribuição qualitativa, associando a dimensão ambiental à luta pela posse da terra. 

AS NOVAS CONDIÇÕES IMPOSTAS PELA DITADURA

A retomada da luta dos camponeses e trabalhadores rurais, na segunda metade da década de 1970, se dará ao meio de mudanças estruturais impostas pelo projeto de desenvolvimento da ditadura, dentre as quais expandir novas e amplas fronteiras agrícolas nas regiões Centro-Oeste e Norte, com abertura de rodovias, construção de usinas hidrelétricas, incentivos fiscais e creditícios, colonização privada e estatal. 

Estabeleceu-se um novo padrão de ocupação da Amazônia Legal, com impactos sociais para os que lá estavam estabelecidos, como os povos indígenas, os ribeirinhos, quilombolas, seringueiros e outros extrativistas, e também impactos ambientais em dimensão antes não vista. E criou-se uma nova classe de capitalistas no campo, mais tarde conhecidos como agronegócio.

Segundo estudos deste autor, até o final da ditadura militar, foram privatizados 69,7 milhões de hectares de terras públicas, sendo 60% para grandes proprietários com mais de um mil hectares; 28% para unidades camponesas (até 4 módulos rurais); e os 12% restantes para estratos intermediários. 

AMAZÔNIA LEGAL 

1.960

1.985

INC. Nº

INC. %

Nº Total Estabelecimentos

435.679

1.153.047

717.368

164,65

Área Total Estabelecimentos

46.193.378

115.950.641

69.757.263

151,1

Nº Est. até 4 Módulos

417.378

1.100.318

682.940

163,62

Área Est. até 4 Módulos

6.354.832

25.912.629

19.557.797

307,76

Nº Est. mais de 1.000 hectares

5.175

16.315

11.140

215,26

Área Est. mais de 1.000 hectares

27.874.456

69.600.808

41.726.352

149,69

Fonte: Censos Agropecuários de 1960 e 1985. Recortes de 1960 do autor. Neste caso, para simplificar, computou-se como Amazônia Legal todos os municípios do estado do , quando, por lei, só são considerados os situados a oeste do Meridiano 44ºW.

O acréscimo de 686.940 novas unidades camponesas (aqui medidas pelo padrão legal da agricultura familiar), correspondendo a 19,5 milhões de hectares, foi conseguido com muitas e variadas lutas e com o sacrifício de 1.075 camponeses assassinados no período de 1º de abril de 1964 a 5 de outubro de 1988, assim distribuídos: Pará = 723 (67,2%); Maranhão = 169 (15,7%); Mato Grosso = 109 (10,1%); Rondônia = 49 (4,5%); Acre = 14 (1,3%); Tocantins = 6 (0,6%); Amazonas = 4 (0,4%); Roraima = 1 (0,1%) (dados do autor, a partir de fontes variadas).  Foi assim que se garantiu a reprodução social dos camponeses na Amazônia.

A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA NO ACRE: DO EXTRATIVISMO À PECUÁRIA 

O Acre foi incorporado ao Brasil em função da disputa pelo domínio da extração da borracha e desde então sua economia e vida social giravam em torno dessa atividade que, na década de 1970, estava em crise profunda, expressa em baixa produção, abandono de seringais, migração de seringueiros para cidade. 

Nesse contexto regional, a proposta de modernização capitalista do campo para o Acre se reduziu a substituir o extrativismo vegetal pela pecuária; transformar os seringais em fazendas e, em alguns casos, diante da onda migratória, em projetos de assentamento de reforma agrária. O que foi possível com a abertura da BR 364 que ligaria Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco. E teria como consequência ambiental o da ; e social, a extinção dos seringueiros, se não fosse a resistência.  

Vivendo durante décadas em comunidades isoladas em que o patrão e o capataz do seringal reprimiam qualquer forma de organização, os seringueiros pouco acumularam em termos de experiência de luta coletiva. Com a crise do velho sistema de aviamento e barracão que, em princípio, lhes tornaram autônomos, tiveram que enfrentar as ameaças e as realidades da expulsão; e, em algumas condições, de se transformarem em posseiros agricultores. Aprenderam a lutar lutando, primeiro, em lutas isoladas, e depois, em lutas articuladas, e assim nasceu o movimento dos seringueiros. 

Essa travessia foi realizada com a ajuda de três instituições: a Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra, organizada em 1975; a Contag, cuja delegacia sindical foi organizada em 1973; e o , fundado no Acre a partir de lideranças dos seringueiros, em 1979.

Algumas pessoas e alguns atos se tornaram simbólicos. Valdiza Alencar de Souza, seringueira de Brasiléia, marchou até Rio Branco, em 1975, em busca do Sindicato, personificado em João Maia, delegado da Contag. Para seu espanto e rápido aprendizado, Maia lhes falou que estaria lá, onde os seringueiros e seringueiras o organizassem, em Brasiléia. E assim o STR de Brasiléia nasceu, em 21 de dezembro de 1975, sob a guarda da Igreja Católica. 

Não por acaso, Brasiléia foi também o berço dos “empates”, cuja primeira experiência, no Seringal Carmem, foi assim relatada pela CPT, logo após ter acontecido:

“O Seringal Carmem foi comprado por um grupo de São Paulo e Rio Branco. Os proprietários entregaram 30 hectares a cada família, sendo que alguns receberam pouco mais. Isto foi conseguido graças à união de 40 posseiros que, armados, exigiram do gerente, à força, seus direitos”. (Ata da Primeira Assembleia Regional da CPT, Rio Branco, 14/08/1976).

O primeiro “empate”, segundo Mary Alegretti em sua tese de doutorado, resultou no primeiro acordo entre seringueiros e fazendeiros, sob a orientação da Contag, sendo os primeiros tratados como posseiros e tendo ganho seus respectivos lotes. 

Deslocados os seringueiros, o fazendeiro fez a derrubada da floresta. A continuidade das lutas gerou a consciência de que evitar o desmatamento da floresta era a condição para lhes garantir a sobrevivência enquanto seringueiros, e assim juntaram a dimensão social à dimensão ambiental.

O passo adiante foi dado em 2 de setembro de 1979, quando 440 seringueiros, sob a liderança de Wilson Pinheiro, marcharam até Boca do Acre, onde realizaram uma assembleia em às famílias de seringueiros que resistiam à expulsão diante de um batalhão de jagunços. Os jagunços foram desarmados. E, coletivamente, brocaram a terra para aquelas famílias. 

Esse evento foi um marco de resistência. Confiante, Wilson mandou o recado duro que apressou sua morte: “Nós não vamos permitir desmatamentos no Acre”, registrou Elson Martins, jornalista que acompanhava o movimento. (MARTINS, 1979).

CHICO MENDES ASSUME A LIDERANÇA DO MOVIMENTO

No dia 21 de julho de 1980, Wilson Pinheiro foi assassinado, dentro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia. No dia 26 de julho houve uma manifestação de solidariedade aos seringueiros em Brasiléia, com a presença de Lula, presidente do PT, de José Francisco, presidente da Contag, e lideranças locais, como Chico Mendes. E no dia seguinte foi justiçado Nilo Sérgio, suposto mandante do assassinato de Wilson Pinheiro. Lula, José Francisco, Chico Mendes e outros foram denunciados na Militar, condenados e depois absolvidos.  A luta dos seringueiros continuou e, até final de 1988, tinham realizado 45 empates, segundo Carlos Alberto Alves de Souza. 

Chico Mendes, já presidente do STR de Xapuri, assume a liderança do movimento, que ganhou representatividade e repercussão internacional.

WILSON PINHEIRO, CHICO MENDES E A CONVIVÊNCIA COM A FLORESTA
Foto de Homero Sérgio / Folhapress.

Participou da fundação do PT (1980), da CUT (1983) e da retomada da Contag. Encontrou solidariedade diante da repressão e apoio aos empates, vistos como luta pela reforma agrária pelos movimentos sociais agrários e pelos partidos de esquerda. Mas não encontrou adesão às suas teses de defesa da floresta amazônica e da convivência harmoniosa com ela. 

Em 1985, o movimento se autonomizou enquanto Conselho Nacional de Seringueiros e deixou bem claro: “Não aceitamos uma política de desenvolvimento da Amazônia que favoreça as grandes empresas que exploram e massacram trabalhadores e destroem a ”. Chico Mendes não morreu em 22 de dezembro de 1988, porque suas ideias continuam vivas.

gilney amorimGilney Viana – Ambientalista, membro da Comissão Camponesa da Verdade e do Conselho Editorial da Revista Xapuri.

 

 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

P.S. Você que nos lê pode fortalecer nossa Revista fazendo uma assinatura: www.xapuri.info/assine ou doando qualquer valor pelo PIX: contato@xapuri.info. Gratidão!

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