Lula veta parcialmente o Marco Temporal para evitar derrubada no Congresso
Apib e MPF alertam para total inconstitucionalidade do PL aprovado, que fere pacto internacional. Indenização para terras pode dificultar demarcações
Por Portal Vermelho
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou parcialmente o projeto de lei que estabelece o marco temporal para as terras indígenas, mantendo os pontos que, segundo o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), “respeitam a Constituição”, enquanto barrando exatamente os artigos que datavam o limite das demarcações em 1988. Essa decisão coloca o governo em sintonia com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade dessa abordagem, e em discordância com o Congresso.
O marco temporal determina que os povos indígenas só podem reivindicar áreas que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese tem sido criticada, uma vez que poderia inviabilizar o reconhecimento de até 287 territórios em processo de regularização, conforme dados da Fundação Nacional do Índio (Funai).
No final de outubro, o STF determinou que a União deve indenizar ocupantes de boa-fé que percam suas terras devido a uma demarcação. No mesmo dia, o Senado aprovou o marco temporal e instituiu o pagamento de indenizações. Lula tirou todas as menções à temporalidade, em consonância com o Judiciário, mas manteve o pagamento de indenização, algo imposto pela Congresso.
A decisão do presidente de vetar partes do projeto veio após uma reunião com ministros e representantes de povos indígenas, incluindo Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e o advogado-geral da União (AGU) Jorge Messias. A intenção de sancionar o projeto em partes visa a reduzir as chances de o Congresso derrubar o veto. O governo já havia se declarado contra a demarcação temporal, desde a campanha eleitoral de 2022, mas havia lobby de setor do agronegócio e forte pressão do Congresso.
Veto integral
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considera que qualquer aprovação do projeto, mesmo parcialmente, viola as diretrizes do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) e compromissos vinculantes ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) da ONU, que exige a agilização da demarcação, regularização e titulação dos territórios indígenas.
O Ministério Público Federal (MPF) também defende o veto integral do projeto, argumentando que é inconstitucional e inconvencional, colocando em risco o processo de reconhecimento das Terras Indígenas (TI). Além disso, o MPF observa que a tese do marco temporal foi declarada inconstitucional pelo STF e que direitos ao isolamento de povos indígenas estão garantidos em tratados internacionais.
Além de dificultar a demarcação de terras indígenas, lembram os procuradores, a matéria também pode abrir os territórios tradicionais para a exploração de recursos hídricos, energéticos, minerais e de instalação de infraestrutura. Além disso, o PL do marco temporal acaba com a proteção dos povos indígenas isolados em relação a contatos externos.
A decisão de Lula sobre a sanção ou veto do projeto poderá ser publicada no Diário Oficial da União (DOU) em edição extra ou na edição regular de segunda-feira (23). Se o presidente vetar partes do texto, o Congresso poderá manter ou derrubar o veto. A situação continua a ser acompanhada de perto, com expectativa de desdobramentos significativos para os direitos e terras dos povos indígenas no Brasil.
Fonte: Portal Vermelho Capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.
Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.
Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.
Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.
Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.
Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.
Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.
Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.
Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.
Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.
Zezé Weiss
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