Tempo de nos aquilombar
É tempo de formar novos quilombos, em qualquer lugar que estejamos, e que venham os dias futuros, a mística quilombola persiste afirmando: “a liberdade é uma luta constante”
Por Conceição Evaristo
É tempo de caminhar em fingido silêncio,
e buscar o momento certo do grito,
aparentar fechar um olho evitando o cisco
e abrir escancaradamente o outro.
É tempo de fazer os ouvidos moucos
para os vazios lero-leros,
e cuidar dos passos assuntando as vias
ir se vigiando atento, que o buraco é fundo.
É tempo de ninguém se soltar de ninguém,
mas olhar fundo na palma aberta
a alma de quem lhe oferece o gesto.
O laçar de mãos não pode ser algema
e sim acertada tática, necessário esquema.
É tempo de formar novos quilombos,
em qualquer lugar que estejamos,
e que venham os dias futuros,
a mística quilombola persiste afirmando:
“a liberdade é uma luta constante”.
No entanto, foi justamente essa vivência que impulsionou sua produção literária, transformando suas experiências pessoais em material para a criação de personagens e narrativas que ecoam as vozes de mulheres negras, geralmente silenciadas na história oficial.
Seu engajamento literário e social começou a ganhar forma na década de 1980, quando passou a integrar o Grupo Quilombo Hoje, um coletivo que desempenhou um papel fundamental na promoção da literatura afro-brasileira
Esse grupo foi responsável por oferecer um espaço de expressão para escritores negros, que, até então, enfrentavam inúmeras dificuldades para ter suas vozes ouvidas no cenário literário nacional. Foi dentro desse contexto que Conceição Evaristo deu início à sua carreira literária, publicando suas primeiras obras na série Cadernos Negros, em 1990.
Os Cadernos Negros são uma coletânea de textos que reúne poesias, contos e outras formas de expressão literária de autores negros, abordando temas relacionados à negritude, à resistência e à ancestralidade africana. Essa série se tornou um marco na literatura brasileira, não apenas por sua qualidade literária, mas também por seu papel de resistência cultural e de afirmação da identidade negra.
Para Conceição Evaristo, participar desse projeto significou não apenas a estreia de sua obra no mundo literário, mas também a possibilidade de compartilhar suas vivências e reflexões com um público mais amplo, rompendo com as barreiras impostas pelo racismo estrutural presente na sociedade brasileira.
A obra de Conceição Evaristo é caracterizada pela força de sua linguagem poética e pela profundidade de suas personagens, que refletem as lutas e resistências das mulheres negras em diferentes contextos históricos e sociais.
Sua escrita é um testemunho da importância de valorizar e preservar as histórias e memórias de um povo que, ao longo dos séculos, resistiu e continua resistindo às opressões e marginalizações.
Com seu trabalho, Conceição Evaristo se consolidou como uma voz potente e necessária na literatura brasileira, uma voz que ecoa as histórias de luta, dor e superação de muitas mulheres negras.