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VIOLÊNCIA NO CAMPO

VIOLÊNCIA NO CAMPO: INDÍGENAS ESTÃO NO TOPO DA LISTA DE VÍTIMAS

VIOLÊNCIA NO CAMPO: INDÍGENAS RANKEIAM LISTA DE VÍTIMAS 

Dados do último relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre conflitos no campo, divulgado neste 22 de abril, em Brasília, mostram que as pessoas indígenas estiveram no topo da lista de vítimas (25,5%), no ano de 2023. Das 31 pessoas assassinadas em 2023, 14 eram indígenas. No geral, o número de assassinatos no campo foi 34% menor do que ano anterior, que teve 47 execuções.

Por Zezé Weiss, da Redação Xapuri, com informações da CPT e da EBC

O relatório também analisa o impacto da aprovação da tese do marco temporal no Congresso Nacional no contexto da violência no campo, sobretudo para os povos indígenas. A tese jurídica sustenta que os povos originários só têm direito aos territórios que ocupavam ou reivindicavam até a promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. 

O Projeto de Lei nº 2.903/2023 estava sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO) e foi aprovado pelo plenário da Casa em setembro de 2023, com 43 votos a favor e 21 contrários. O texto seguiu para sanção e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva optou por vetar trechos. Os vetos, porém, foram revistos na Câmara dos Deputados e a votação foi finalizada com 321 votos pela derrubada e 137 pela manutenção. No Senado, somou 53 votos pela rejeição e 19 pela manutenção.

CONFLITOS NO CAMPO

Em 2023, o Brasil registrou número recorde de 2.203 conflitos no campo, contra 2050 em 2022. Em 2023, os conflitos afetaram a vida de que afetou a vida de 950.847 pessoas. Em 2022, os conflitos impactaram as vidas de 923.556 pessoas.   

Os conflitos estiveram mais concentrados nas regiões Norte, com 810 ocorrências, e Nordeste, com 665 ocorrências. Na sequência, vêm o Centro-Oeste (353), o Sudeste (207) e o Sul (168). Embora ambos os números tenham registrado alta, na comparação com 2022, a área em disputa foi reduzida em 26,8%, sendo agora de cerca de 59,4 mil hectares.

Segundo a CPT, a terra esteve mais uma vez no centro da maior parte dos conflitos no campo. Somente em 2023, foram 1.724 disputas por terra, correspondentes a 78,2% do total registrado, que inclui também conflitos por água (225 ocorrências) e trabalho escravo contemporâneo na zona rural (251 ocorrências), equivalentes a 10,2% e 11,3%.

O relatório destaca que houve um crescimento de 7,6% nas ocorrências relativas à terra, que interferiram no universo de 187.307 famílias, no ano de 2023, com um pequeno aumento dos casos de invasão, que passaram de 349 em 2022, para 359 em 2023. No total, foram 1.588 dos conflitos por terra foram ligados à violência contra a ocupação e a posse e/ou contra a pessoa. No primeiro tipo de violência, observa-se que a quantidade dos casos de invasão subiu de 2022 para 2023, passando de 349 para 359. De acordo com a comissão, no ano passado, 74.858 famílias foram afetadas por esse tipo de agressão.

A pistolagem foi o segundo tipo de violência contra a ocupação e a posse, com maior nível de registros em 2023. Foram contabilizados 264 casos, 45% a mais do que o total de 2022 e o maior número registrado pela CPT dentro do recorte da coletividade das famílias atingidas, que chegaram a 36.200. A entidade ressalta que as principais vítimas, nesse caso, foram os trabalhadores sem terra (130 ocorrências), posseiros (49), indígenas (47) e quilombolas (19).

“INVASÃO ZERO” E OUTROS PROBLEMAS 

Para o coordenador nacional da CPT, Ronilson Costa, em entrevista concedida à Agência Brasil, “A partir do momento em que o Estado brasileiro deixa de ser um agente pouco antes, deixa um vácuo, um espaço para grupos que se articulam, como o Invasão Zero, que é, na verdade, uma rearticulação da UDR (União Democrática Ruralista), dos anos 1980 e 1990.”

Ronilson afirma que o movimento assume, “por conta própria, a retirada de indígenas de territórios de retomada, a expansão de áreas por meio de ação de grilagem, áreas já consolidadas, já ocupadas por comunidades tradicionais. E outros grupos estão surgindo. O agronegócio existente no país é ‘arcaico’ e, apesar do discurso disseminado de que o setor contribui fortemente para a geração de empregos, na realidade provoca muito mais desequilíbrio. Desequilíbrio ambiental, mas também social, porque gera pobreza e violência no campo.” 

Um outro problema, segundo Ronilson, é o poderio da extrema-direita na esfera estadual. “Hoje, o agronegócio constitui outro poder dentro da República, pela força que tem de marcar presença no Congresso, mas também em grande parte dos governos estaduais. É muito complicado quando a gente percebe que as secretarias de Segurança Pública ou de Meio Ambiente, na maioria desses estados, atuam de forma conjunta para proteger ou promover a expansão do agronegócio. E é óbvio que os territórios das comunidades tradicionais e dos povos originários constituem desafio enorme, porque têm uma legislação, inclusive internacional, que está de olho nesses avanços. Se não tivessem, imagine como seria.”

Ronilson afirma ainda que o período atual, no que diz respeito às vantagens que têm grupos como o Invasão Zero, se distingue de décadas anteriores por diversos fatores. Um deles é o fácil acesso a armas de fogo. “Há inúmeros setores de apoio, que vão desde as milícias com CNPJ, empresas de segurança privada, alinhadas a ex-agentes de segurança.

Eles têm atuado com setores do narcotráfico, com forças de seguranças do próprio Estado. São inúmeros casos em que a polícia chega sem uma ordem judicial para despejo, sem ordem de busca e apreensão e age com pistoleiros da fazenda. O serviço de proteção do Estado atua de forma conjunta e em prol de grileiro, e muitas vezes as terras públicas são tomadas por grileiros.”

O QUE FAZER

Para o representante da CPT, a saída é que o governo federal retome um pacote de políticas para o campo.

“O que não significa aquilo que foi realizado no governo FHC [Fernando Henrique Cardoso], Lula 1 e 2, que correspondia a distribuir terra.  É distribuir terra, demarcar territórios, titular territórios quilombolas, mas com o acompanhamento de políticas que, de fato, garantam vida digna para as pessoas que vivem nesses territórios.

Porque [senão] conquistam a terra e depois vão continuar a fazer luta para conquistar outros direitos que, quando chegam, é de forma fragmentada, insuficiente, parcelada e não é bem isso. Não adianta estar em uma terra conquistada ao longo de anos de luta e, de repente, não ter uma estrada que dê acesso, uma ponte, ou sem incentivos para produzir.

Ficam os chamados abandonados da reforma agrária.  Certamente, na primeira oportunidade que vier, essas terras voltarão a ser concentradas nas mãos daqueles que conseguem, com mais facilidade, capital para promover a produção, ” complementa Ronilson Costa, coordenador nacional da CPT.

Zezé Weiss – Jornalista. Editora da Revista Xapuri. Com informações da Comissão Pastoral da Terra  e da  EBC: . Foto: Acervo Apib. 

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UMA REVISTA PRA CHAMAR DE NOSSA

Era novembro de 2014. Primeiro fim de semana. Plena campanha da Dilma. Fim de tarde na RPPN dele, a Linda Serra dos Topázios. Jaime e eu começamos a conversar sobre a falta que fazia termos acesso a um veículo independente e democrático de informação.

Resolvemos fundar o nosso. Um espaço não comercial, de resistência. Mais um trabalho de militância, voluntário, por suposto. Jaime propôs um jornal; eu, uma revista. O nome eu escolhi (ele queria Bacurau). Dividimos as tarefas. A capa ficou com ele, a linha editorial também.

Correr atrás da grana ficou por minha conta. A paleta de cores, depois de larga prosa, Jaime fechou questão – “nossas cores vão ser o vermelho e o amarelo, porque revista tem que ter cor de luta, cor vibrante” (eu queria verde-floresta). Na paz, acabei enfiando um branco.

Fizemos a primeira edição da Xapuri lá mesmo, na Reserva, em uma noite. Optamos por centrar na pauta socioambiental. Nossa primeira capa foi sobre os povos indígenas isolados do Acre: ‘Isolados, Bravos, Livres: Um Brasil Indígena por Conhecer”. Depois de tudo pronto, Jaime inventou de fazer uma outra boneca, “porque toda revista tem que ter número zero”.

Dessa vez finquei pé, ficamos com a capa indígena. Voltei pra Brasília com a boneca praticamente pronta e com a missão de dar um jeito de imprimir. Nos dias seguintes, o Jaime veio pra Formosa, pra convencer minha irmã Lúcia a revisar a revista, “de grátis”. Com a primeira revista impressa, a próxima tarefa foi montar o Conselho Editorial.

Jaime fez questão de visitar, explicar o projeto e convidar pessoalmente cada conselheiro e cada conselheira (até a doença agravar, nos seus últimos meses de vida, nunca abriu mão dessa tarefa). Daqui rumamos pra Goiânia, para convidar o arqueólogo Altair Sales Barbosa, nosso primeiro conselheiro. “O mais sabido de nóis,” segundo o Jaime.

Trilhamos uma linda jornada. Em 80 meses, Jaime fez questão de decidir, mensalmente, o tema da capa e, quase sempre, escrever ele mesmo. Às vezes, ligava pra falar da ótima ideia que teve, às vezes sumia e, no dia certo, lá vinha o texto pronto, impecável.

Na sexta-feira, 9 de julho, quando preparávamos a Xapuri 81, pela primeira vez em sete anos, ele me pediu para cuidar de tudo. Foi uma conversa triste, ele estava agoniado com os rumos da doença e com a tragédia que o Brasil enfrentava. Não falamos em morte, mas eu sabia que era o fim.

Hoje, cá estamos nós, sem as capas do Jaime, sem as pautas do Jaime, sem o linguajar do Jaime, sem o jaimês da Xapuri, mas na labuta, firmes na resistência. Mês sim, mês sim de novo, como você sonhava, Jaiminho, carcamos porva e, enfim, chegamos à nossa edição número 100. E, depois da Xapuri 100, como era desejo seu, a gente segue esperneando.

Fica tranquilo, camarada, que por aqui tá tudo direitim.

Zezé Weiss

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